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Autor Manoel Carlos pode não mais escrever novelas

O autor Manoel Carlos escreveu em sua coluna na Veja Rio, do dia 9 de novembro, sobre sua próxima novela, que fechará o ciclo de Helenas. Ele publica um monólogo no qual descreve a protagonista e segundo ele nem existe sinopse pronta ainda.

“Sabe qual era o meu sonho aos 11 anos? Um quarto de estudos. Estante com livros, uma escrivaninha, uma vitrola para ouvir minhas músicas… e flâmulas nas paredes: de clubes e universidades. Vi um quarto assim num filme da Judy Garland que nunca mais me saiu da cabeça.
Morávamos numa casa imensa, com muitos cômodos. As pessoas estranhavam, já que éramos apenas três: eu, meu pai e minha mãe. E todo mundo morria de curiosidade de conhecer, de abrir as portas, olhar os quartos. E é claro que, além da sala, que era bem-arrumada, o resto ou estava vazio ou ocupado com móveis simples, de estilos misturados. O orgulho da minha mãe era a casa, a casa em si, e o que ela pretendia fazer. Depois fiquei sabendo que ela tinha vivido muito tempo num quarto alugado, sem direito ao resto da casa.
Então, quando recebíamos visitas… gente ali mesmo do bairro ou conhecidos do meu pai… enfim: qualquer pessoa! Quando aparecia alguém, minha mãe percorria a casa toda, acompanhando a visita, e eu ia atrás dela — eu era pequena — e sabia de cor tudo que ela ia falar. Se ela fosse uma atriz, eu poderia ser o ‘ponto’, soprar tudo para ela, se esquecesse o texto. O caminho era sempre o mesmo: saíamos da sala, pegávamos o corredor, com algumas imitações de Rugendas nas paredes, um console com porta-retratos, toalhinhas de renda… E aí minha mãe passava pela cozinha, como se fosse por acaso, mas não era. É que lá as coisas também estavam sempre arrumadas: armários brancos, três cadeiras de palhinha e uma mesinha redonda… Parece que eu estou vendo! Ela abria a porta e exclamava: ‘Ah, acabamos na copa!’. Ela não falava cozinha. ‘Aproveito para tomar um copo d’água. Quer água ou prefere um suco de laranja?’ Ela repetia sempre essa cena, eu ali atrás, olhando, sabendo tudo aquilo de cor. E eu percebia que minha mãe me olhava com certa impaciência. Acho que ficava incomodada com minha presença, até certo ponto crítica. Mas eu juro que não estava ali para criticar. O que eu queria era acompanhar, fazer o trajeto e esperar que ela passasse por um quarto vazio, muito limpo, com a pintura renovada, portas brancas, um armário de treliça, frisos cor-de-rosa no teto… Uma graça! E então, diante daquele espaço nu, minha mãe sempre dizia: ‘Aqui eu vou fazer um quarto de estudos para a Helena, assim que ela ficar maiorzinha…’.  E eu sonhava com o quarto, acreditava nele, porque ela dizia isso para todo mundo! Eu mesma, quando andava pela casa com alguma amiguinha, repetia: ‘Aqui minha mãe vai fazer um quarto de estudos para mim, assim que eu ficar maiorzinha’. Eu mesma fazia o teatro, sem saber que era teatro! E o tal quarto… nunca saiu!
Quando ela morreu, eu me tranquei lá dentro e chorei o dia inteiro. Não chorava a mãe morta, mas a morte do quarto de estudos. A morte do meu primeiro sonho”.

Maneco ainda insinua, duas vezes, que talvez nem volte mais a escrever novelas. Não é a primeira vez que se vê o não retorno de Maneco ao horário nobre, que seria após Walcyr Carrasco no começo de 2014, Aguinaldo Silva em entrevista ao colunista Bruno Astuto está cotado para escrever em seu lugar.