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Trabalho social de Gloria Perez na teledramaturgia brasileira

Zeca e Junior em cena da novela "América", beijo gay censurado pela Globo (reprodução)
Com Beto Rockfeller (1968), na TV Tupi, o Brasil se reconhecia na televisão, era o início do fim de tramas medievais com enredo de "capa e espada" (os mocinhos e violões usavam desta vestimenta em cena). Com diálogos mais curtos e realistas, a trama fez história na televisão brasileira, a Globo, em busca de atualização e consolidação no mercado, contratou autores como Janete Clair e Dias Gomes para sua fábrica de roteiros. Ela para terminar de escrever "Anastácia, A Mulher Sem Destino", de Emiliano Queiroz, com supervisão de Gloria Magadan, e ele demitido pela Rádio Nacional, por fazer parte do Partido Comunista.

Janete não só terminou de escrever a novela, provocando um terremoto em cena, como começou a carreira promissora na Globo, se tornando a rainha da telenovela brasileira. Ela adaptou a história de "Vende-se um véu de noiva", que escreveu para a rádio, e lançou na Globo, "Véu de Noiva", um marco na emissora, lançada como "novela-verdade", e tinha pela primeira vez a namoradinha do Brasil, Regina Duarte, na Globo.

Foi pelas mãos de Dias Gomes, na novela "Assim na Terra como Céu" (1970), que surgiu o primeiro personagem, assumidamente, LGBT da história da telenovela brasileira: Rodolfo Augusto (Ary Fontoura). Embora fosse um clichê do homossexual afeminado e com profissional de carnavalesco, é um marco na teledramaturgia nacional, embora a ditadura militar estivesse ainda muito presente e censurando todas as manifestações culturais, os anos 1070, marcou uma passagem importante na teledramaturgia: aposentou-se definitivamente o estilo "maniqueísta" e se investia cada vez mais na realidade do cidadão brasileiro.

A telenovela marcava definitivamente como uma vitrine da cultura no país, embora muitas vezes criticada pelo tom popularesco, os brasileiros com baixo poder econômico, tinha na televisão o seu maior e principal meio de entretenimento. Embora a telenovela seja um produto de consumo, ditando modas, as histórias contadas pelos mais diversos autores, alguns vindos do teatro como Benedito Ruy Barbosa, Lauro César Muniz e Cassiano Gabus Mendes, outros jornalistas como Aguinaldo Silva, surge então na década de 1980 como colaboradora de Janete Clair, a escritora e historiadora Glória Perez.

Com ideias avançadas e vanguardistas, até mesmo os diretores "cabeças abertas" da Globo, Daniel Filho e Boni, ficaram "impressionados" com a sinopse da novela "Barriga de Aluguel", arquivando-a arquivada por ser fantasiosa demais. A autora ainda escreveu a sinopse de uma série sobre transgênero (o termo ainda não era usado) não foi aprovado: "Em 1984 esse livro me impressionei muito! Quis fazer uma minissérie, mas foi considerado inadequado pra época. Nome do projeto: Corpo e Alma", postou a novelista no Twitter:


GERALDOPOST listou as novelas da autora abaixo, com exceção do remake de "Pecado Capital" (1998), e mostra como a autora, que dona de ideias vanguardistas e revolucionadoras, fez do produto de massa, uma porta de entrada para temas importantes de discussão entrar na casa dos brasileiros.

Partido Alto (1984) com Aguinaldo Silva.
Primeira novela da autora, a Globo teve e a infeliz ideia de colocar dois medalhões da teledramaturgia para escreverem uma novela juntos. No livro "Cenas dos próximos capítulos" de André Bernardo e Cintia Lopes, a autora diz que foi um casamento "arranjo entre duas pessoas que não se conheciam". Mas Gloria marcou a sua primeira incursão para a "novela-verdade" como aquela lançada por Janete Clair em 1969, "Véu de Noiva". Em cena, Sulamita (Marilu Bueno) reclamava que tinha de andar até pegar um ônibus, na época a prefeitura do Rio, depois das reclamações em cena, colocou a primeira linha de ônibus no bairro de Encantado.

Carmem (1987) - Rede Manchete
Sua primeira e única novela fora da Globo. A autora retratou o drama das pessoas que contraíram o vírus da Aids em uma época que pouco se sabia sobre o assunto e o preconceito era enorme. Para desmistificar o assunto, ela colocou uma dona de casa sendo infectada durante uma transfusão de sangue e a partir daí sofrer com a rejeição dos vizinhos e amigos. Durant a novela betinho, antropólogo e militante contra a disseminação da Aids no Brasil, foi padrinho da campanha indo na casa das pessoas e explicando que o vírus não é transmitido na conversa e se beber o mesmo copo por exemplo.

Barriga de Aluguel (1990)
Seu retorno à Rede Globo foi para escrever Barriga de Aluguel, trama que foi engavetada "por ser ficção demais", que incentivou a sair da emissora. A novela que sacudiu o país contava o drama de Ana (Cassia Kiss) e Zeca (Victor Fasano), que ao aluguel o ventre de Clara (Claudia Abreu), para terem um filho, passaram a viver o drama da paternidade, já que Clara não queria entregar "o filho" que gerou para a mãe biológica.

De Corpo e Alma (1992)
Paloma (Cristiana Oliveira) recebe o transplante de coração de Betina (Bruna Lombardi), que morrera em um acidente. Betina era amante de Diogo (Tarcísio Meira) que se aproxima de Paloma, por se sentir culpado pela morte da amante e, claro, sabe do transplante de coração. Eles acabam se apaixonando. Na época, pouco se sabia sobre transplantes de órgão e na semana que foi exibido o transplante o Instituto do Coração (InCor) recebeu nove transplantes de coração, fazia dois meses que não recebiam nenhum transplante.

Explode Coração (1995)
Esta novela foi reveladora, a internet, a tela touch screen, crianças desaparecidas e a transexualidade, foram alguns dos temos da novela. Dara (Tereza Seiblitz) conhece Julio Falcão (Edson Celulari) em um chat na internet (World Wide Web), sem saber quem está do outro lado da tela, ela desabafa sobre a sua cultura cigana que quer obrigá-la a se casar com um desconhecido, ele enfrenta uma grave crise conjugal, seus destinos se cruzam e eles se apaixonam. A tela touch-screen na abertura da novela, nunca tinha sido vista no país, dez anos depois virou febre com a popularização dos smartphones, e hoje 198 milhões de smartphones estão em uso no país. J[a no primeiro capítulo Brasil conheceu Sarita Vitti (Floriano Peixoto) que ao chegar ao bairro de Fátima, subúrbio do Rio, ela é verbalmente agredida e respode a agressão com o soco no rosto, foi o passaporte de entrada da personagem na novela. Nunca um personagem trans tinha feito uma novela do começo ao fim na televisão brasileira e o enredo fugiu da caricatura e esteriótipo da comédia rasgada e viveu dramas comuns com os demais personagens, como se apaixonar, adotar uma criança com HIV e ter um final com par romântico (embora apenas sugerido). Mas o que de fato parou o país foi o drama de heloísa (Isadora Ribeiro) que teve o filho sequestrado e passou a procurá-lo incansavelmente, a novelista fez uma campanha em busca de crianças desaparecidas e Heloísa fez um cartaz com foto do filho e foi para as escadas da Central do Brasil, ponto de entro de mães que buscavam os filhos. Durante a exibição da noveça 70 crianças foram encontradas por causa da campanha, em uma reportagem da Folha, na época, 26 dessas crianças escolheram sair de casa por serem maltratadas pelos pais ou parentes, mesmo após o término da novela a campanha continuo nos intervalos da emissora. A novela foi liberada pela Globo para ser reprisada no Canal Viva, a trama nunca foi reprisada no Vale a Pena Ver de Novo.


O Clone (2001)
Mel (Débora Falabella) se envolve com as drogas e passa a viver grandes dramas pessoais e familiares. Ela conhece Regininha (Viviane Victorete) e Cecéu (Sérgio Marone), a história foi contada gradualmente com eles fumando maconha, roubando pequenos objeto em casa, usando posteriormente cocaína e ela bebe perfume, em um ato de desespero. Além do trio, o drama de Lobato (Osmar Prado), ex-dependente químico que tem algumas recaídas durante a história, foi contado como pano de fundo. O tom confessional da história emocionou o país, depoimentos de pessoas verdadeiras eram intercaladas nas cenas, no último capítulo, a cantora Nana Caymmi contou o drama que vive em casa, por ter um filho dependentes.

América (2005)
A imigração ilegal e a homossexualidade foram retratados de forma humanitária na história de Sol (Déborah Secco) que faz de tudo para realizar o sonho 'e fazer a América' indo trabalhar nos Estados Unidos, ela faz as maiores loucuras para realizar este sonho. Através da família de Consuelo (Claudia Jimenez) era retratado o drama dos moradores que vivem nos Estados Unidos de forma ilegal, o drama da família que tenta fazer diversas travessias e são vítimas dos traficantes/coyotes. A imigração ilegal foi retratada de forma realista a ponto de receber diversas críticas, como a cena em que Sol está dentro do painel de um carro. A trama retratou as mentiras da internet com a história de pedofilia através de um homem que se passava por criança. Sinval Junior (Bruno Gagliasso) era um jovem criado pela mãe como espelho do pai, um fazendeiro sinônimo do "macho alfa" já morto, Junior renegava viver à sombra da masculinidade do pai ao descobrir que era homossexual, embora parte do personagem estivesse marcado pelo esteriótipo do gay, já que Junior sonhava em se tornar um estilista, o seu par romântico na novela era o peão Zeca (Erom Cordeiro). A cena do beijo entre dois homens foi escrita e gravada, porém a emissora decidiu cortá-la minutos antes de sua exibição no último capítulo, indo ao ar apenas uma sugestão, a emissora disse que foi a autora quem não quis a exibição da cena, que logo foi rebatido e comprovado que a emissora quem não a exibiu, já que o próprio Bruno Gagliasso, foi quem a dirigiu. Em 2014, em entrevista no programa Encontro, ele disse: "Eu chorei. Fomos censurados".


Caminho das Índias (2009)
O drama de Tarso (Bruno Gagliasso) que tem problemas psicólogicos e é diagnosticado como esquizofrênico, foi retratado na novela. Gloria Perez teve o cuidado de colocar duas realidades em cena, aquela em que os pais renegam a atenção ao filho escondendo-o dentro de casa, e a família em que busca tratamento para um jovem, parte da novela foi retratada em uma clínica psiquiátrica justamente para explicar o diagnóstico da doença. A psicopatia estava em cena com a personagem Yvone (Letícia Sabatella) que se faz de amiga prestativa de Silvia (Débora Bloch) e aplica um golpe em seu marido e família.

Salve Jorge (2012)
Morena (Nanda Costa) é uma jovem negra moradora do Morro do Alemão, jovem mãe solteira e faz bicos para sustentar o filho e ajudar a mãe, mas ela cai em uma armadilha ao ter a promessa de emprego no exterior, Morena é vítima do tráfico de humanos, que são explorados no exterior e vivem em cativeiro. Além dela, outras personagens retrataram o drama destas pessoas, em diversos aspectos, como a travesti Anita (Maria Clara Spinelli), que com a promessa de ajuda para faezr a mudança de resignação sexual, ela é traficada e obrigada a se prostituir. O tráfico de pessoas ainda foi retratado através do personagem Aisha (Dani Moreno) que sempre soube ser filha adotiva, mas ao procurar pela família verdadeira acaba descobrindo que foi vítima do tráfico de crianças, a cena que explica como foi traficada foi uma das mais angustiantes da novela, ainda bebe ela foi transportada dentro de uma sacola de feira. A guerra do tráfico no Morro do Alemão, recém ocupado pela UPP no Rio de Janeiro, foi ainda pano de fundo da história, mostrando a realidade nua e crua da violência do Rio de Janeiro.