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Glória Perez: "Já imaginou se gênero e sexualidade viessem a ser critério para escolhas artísticas?", sobre papel trans em 'A Força do Querer'


A próxima novela das nove, A Força do Querer, estreia apenas em abril - mais precisamente no dia 3 -, junto com a programação 2017 da Rede Globo e tem a assinatura da poderosa Glória Perez, a única novelista que escreve sozinha na televisão brasileira. Glória volta quatro anos e 11 meses após ter finalizado a problemática Salve Jorge. A novela teve uma série de problemas que culminou com uma avalanche de críticas da imprensa - está na maioria das vezes errada -, e do público, que 'estava' órfão da arrasadora Avenida Brasil, tida como o último grande sucesso do horário.



Como não poderia ser diferente, a nova novela de Glória Perez causa polêmica antes mesmo da estreia, nunca demorou tanto para Glória voltar à faixa nobre como agora. Entre Salve Jorge e A Força do Querer, Glória não ficou parada. Fez supervisão de texto de O Canto da Sereia, escreveu a trama original Dupla Identidade e colaborou para a trama de Liberdade, Liberdade, que teve um início conturbado. A novela entra com oito meses de atraso após Silvio de Abreu colocar Velho Chico antes de A Lei do Amor, com a desculpa oficial de que a trama política da novela de Maria Adelaide Amaral e Vicent Vilarri poderia ter problema com a legislação eleitoral.

Desde a  metade do ano passado, notícias sobre a novela pipocam em sites e colunas especializadas. Uma das primeiras notícias, foi a escalação de uma atriz cisgênero  - pessoa que identifica com o gênero de nascimento e que está em seu certidão de nascimento -, para interpretar um personagem transexual, sem saber da descrição do personagem internautas e a imprensa fizeram inúmeras críticas nas redes sociais sobre o assunto, até que em setembro de 2016 a autora explicou como será a personagem em uma visita à ONG "Projeto Damas", no Rio de Janeiro.

"Farei um trans homem, muita gente não estava sabendo disso, achavam que seria um homem virando mulher", disse a autora durante o encontro, segundo reportagem do site EGO. A transformação da personagem que não se identifica com o corpo feminino será mostrado aos poucos, para isso a trama terá duas fases, uma que mostrará a personagem ainda criança como uma cópia da mãe e outra na fase em que ela passará pela transformação de não se identificar com o corpo de mulher. Durante esta descoberta e desenvolvimento de um novo corpo, um personagem de peso entrará em cena:  Nonato (Silvero Pereira), que "entra devagar, depois do primeiro mês, porque seu crescimento está associado à revelação do trans", explica a autora em entrevista EXCLUSIVA.

Silvero é ator e produtor e membro do grupo de teatro As Travestidas, rodou o país com a peça BR-Trans em que faz um monólogo espetacular sobre as travestis em todo o país, abordando seus amores, vida e morte, de sua maioria. O Brasil é o país que mais mata transexual e travesti no mundo. Entre janeiro de 2008 e março de 2014 foram registradas 604 mortes de transexuais ou travestis no mundo, isso equivale a 86 mortes por ano. E foi depois de assistir ao espetáculo BR-Trans no Rio de Janeiro, que Glória teve a ideia de convidar Silvero para a novela.

"Já imaginou se gênero e sexualidade viessem a ser critério para escolhas artísticas?"
Sobre a escalação de Carol Duarte para o papel do transexual Ivana

TRANS
Joyce e Ivana, ainda bebê, a filha como cópia da mãe (divulgação/TV Globo)

Ivana (Carol Duarte) é filha de Joyce (Maria Fernanda Cândido) e Eugênio (Dan Stulbach), é irmã de Yuri (Fiuk) e foi criada pela mãe como uma espécie de espelho dela mesma. Joyce é uma mulher que cultua e explora tudo o que diz respeito ao feminino, e marca o retorno de Maria Fernanda Cândido às telenovelas após anos afastada, Joyce entrará em conflito com a filha que não se identificará com o corpo de mulher e terá ainda que se desdobrar para não perder o marido para a manipuladora Irene (Débora Falabella). É a terceira vez que Glória retrata o universo transexual nas suas telenovelas, agora será um trans, a transformação do corpo de mulher para o corpo de homem.

"Por isso acho que ficará mais fácil para o público colocar uma mulher, que se incomoda com seu corpo, que odeia seus peitos crescendo, e que quer ser homem. Se eu colocasse um trans já formado, ele teria barba, já aceitaria seu corpo, e não passaria realmente esse sofrimento de não se identificar com o corpo. A garota da trama vai ter que se descobrir", disse a autora no encontro, ainda segundo o site EGO. Glória está acostumada com polêmica, principalmente quando se trata da mídia que passa informações incompletas ou até mesmo inverídicas sobre suas novelas.

Muitos questionaram o motivo de escalar uma mulher cis para interpretar Ivana, na época a discussão foi levantada antes mesmo do público ter qualquer descrição da personagem transexual: "Já imaginou se gênero e sexualidade viessem a ser critério para escolhas artísticas? Um hétero não poderia interpretar um gay, um gay não poderia interpretar um hétero", disse a autora com exclusividade a GERALDOPOST.COM. Os personagens LGBTs sempre estiveram presentes nas novelas da autora. O primeiro deles o Dr. Junot (Maurice Vaneau) na novela Carmem (1987), exibida pela TV Manchete. "Não sei se houve antes deles, um gay não caricato", disse a autora. Depois vieram Sarita Vitti (Floriano Peixoto), em Explode Coração, o casal Junior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro) em América, as hijras em Caminho das Índias e Anitta (Maria Clara Spinelli) em Salve Jorge.


"Respeito todo mundo e gosto que me respeitem"
Sarita Vitti em sua primeira cena em Explode Coração (1995)

CAMPANHAS SOCIAIS

Glória sempre foi além do produto da indústria cultural, suas novelas sempre tiveram uma marca importante: as campanhas de cunho social que no começo dos anos 2000 foi chamado de merchandising social, mas muito antes disso Glória já levantada uma série de bandeiras de interesse público em suas tramas. Na novela Partido Alto, uma parceria de Glória com Aguinaldo Silva, em 1984, os autores tiveram a ideia de criar uma campanha após descobrirem que não tinha ônibus até o bairro de Encantado, Zona Norte do Rio de Janeiro. Uma personagem reclamava da distância do ponto de ônibus até sua casa e ainda durante a exibição da novela uma linha de ônibus foi criada para atender os moradores do bairro.

Três anos depois, já na Manchete, Glória fez a campanha para a descriminalização dos portadores do vírus da Aids - jocosamente chamados de aidéticos -, na época em que pouco se sabia sobre a HIV/Aids a autora criou uma personagem que contraía o vírus do HIV em uma transfusão de sangue e enfrentava o preconceito dos vizinhos, que não queriam nem mesmo conversar com ela. Uma série de situações foram criadas pela autora que teve o apoio do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que participou da trama fazendo visita nas casas dos vizinhos da personagem para explicar o que era o vírus da Aids.

Em Barriga de Aluguel (1991), foi a inseminação artificial. De Corpo e Alma (1993) o transplante de órgãos foi o tema que ligou a trama principal da novela. Em Explode Coração (1995) a autora criou uma série de campanhas sociais: a trans Sarita Viti (Floriano Peixoto) na luta pela aceitação e adoção de uma criança. Sarita foi denominada como uma travesti pela imprensa, em uma época em que pouco se sabia sobre identidade de gênero, foi criticada pela militância LGBT da época por ser repleta de estereótipos, porém Sarita foi um sucesso.


Glória escreveu a personagem milimetricamente pensada para a aceitação do público a fim de acabar com a discriminação que o público trans (transexual, travesti e transgênero) sofria, e até hoje sofre, na sociedade. Foi a primeira vez que um personagem trans ficou do primeiro ao último capítulo de uma telenovela brasileira, com papel de destaque e transitando entre os personagens centrais da novela. Embora com forte teor cômico, a personagem teve seu destaque muito além do antagonismo. Mas o que sacudiu o país foi a campanha social de crianças desaparecidas através dos personagens Odaísa (Isadora Ribeiro) e Gugu (Luís Claudio Jr), o menino foi sequestrado em uma tarde de carnaval e Odaísa se juntou às "Mães da Cinelândia" com um cartaz com a foto do filho. Mais de crianças desaparecidas foram encontradas durante a novela. "[Me sinto] mais do que recompensada!", disse a autora. Em O Clone (2001) a campanha social também estava no núcleo principal da história, o combate ao uso de drogas e contando a história central sobre o aspecto da clonagem humana. Em América (2005) sobre a imigração ilegal por diversos personagens e mundo dos rodeios, com a experiência de quase morte.

Em Caminho das Índias (2009) a cultura indiana interligando a cultura brasileira e suas divergências, além da psicopatia e esquizofrenia com grande destaque e sucesso. Abrindo o conhecimento para a população brasileira que pouco sabia do assunto. Em Salve Jorge (2012) o tráfico de humano estava no foco central, além do cotidiano em uma favela carioca. O tráfico de pessoas movimentou diversos núcleos e personagens.

VANGUARDISTA

Ritinha vestida de sereia, uma das protagonistas da novela (Divulgação/Glória Perez)
Glória aceitou falar sobre a novela com a condição de que não falaria mais do que o permitido, até mesmo para não antecipar as tramas, já que a novela tem estreia confirmada para daqui exatos três meses. A autora tem respondido questões de seguidores no Twitter, onde acumula mais de 1,3 milhão seguidores. Em A Força do Querer uma trama tem chamado a atenção pela "repetição", que é a história do boto cor de rosa, que foi uma trama da minissérie Amazônia (2007). Na minissérie a personagem de Giovanna Antonelli tinha um caso com o boto, na novela a personagem Ritinha (Isis Valverde) terá total convicção de que é filha do boto, uma lenda amazônica, onde passará parte da trama.

A pergunta que GERALDOPOST fez sobre a personagem não foi respondida, pela autora, alimentando o mistério. Mas a autora respondeu a um seguidor no Twitter sobre a "vilania ou a dubiedade" da personagem: "Nem uma coisa nem outra. Que tal assistir sem antecipar rótulos?", sobre as postagens em sites de TV que dominam as redes sociais. A descrição da personagem no post do GShow"Flertar com o carioca [personagem de Fiuk] a faz se sentir desejada, ela adora sentir o fascínio que exerce sobre os homens. Ritinha gosta de seduzir, conquistar, e isso é instintivo nela. Quer a liberdade de seguir seus impulsos", a personagem foi tachada como "destruidora de lares".

Não é de hoje que a autora é incompreendida pela imprensa, que antes de saber de fato as tramas da novela, passam a criticar de forma absolutamente errada. A autora foi taxada de louca quando colocou a internet ligando o eixo central de novela Explode Coração, por exemplo, e o fato dos personagens viajarem do ocidente ao oriente nas novelas como O Clone de uma cena para outra é incompreendida como fantasiosa.

A telenovela brasileira é produto da cultura de massa que o brasileiro adotou como forma de aprendizagem, o poder econômico do brasileiro é baixo e adotou a televisão como seu principal meio de entretenimento, as novelas influenciaram e influenciam o brasileiro em tudo, seja em nomes de filhos ou em compra de colares, pulseiras e perfumes de personagens de destaque, além de influenciar no dia-a-dia do cidadão brasileiro e seu comportamento.


Glória parou o país com o personagem Junior (Bruno Gagliasso), comoveu o país ao descobrir a sua sexualidade, a construção do personagem foi perfeita. O envolvimento do personagem com o peão Zeca (Erom Cordeiro) foi bem aceito pelo público que torcia pelo beijo entre pessoas do mesmo sexo, o beijo gay. A cena foi escrita e gravada e dirigida pelo próprio ator Bruno Gagliasso, porém cortada pela alta direção da emissora. A militância LGBT e o público acharam um absurdo, foi então realizado um beijaço em frente à emissora e um boicote à novela Belíssima (2005) foi lançado e a autora foi acusada de fazer propaganda enganosa.

"Fiquei frustrada [sobre o veto ao beijo gay], mas entendi: em todo lugar do mundo as emissoras tomam decisões assim, avaliando o perfil do seu público", comentou a autora a GERALDOPOST.COM, a partir daí a pergunta principal a cada começo de novela era: "Vai ter beijo gay?", passaram-se dezenas de personagens homossexuais nas telenovelas, até que em 2014 o beijo foi autorizado pela emissora e exibido no final da novela Amor à Vida, de Walcyr Carrasco.

Em Salve Jorge a personagem Anita foi enganada por traficantes. "Sabe o que é uma pessoa passar a vida inteira dentro de um corpo errado?", disse para  Wanda (Totia Meirelles), sem saber que estava caindo em uma enrascada. O sonho de Anita era fazer a cirurgia de mudança de sexo e Wanda fez a promessa de ajudá-la a financiar "o sonho". Porém, o público LGBT, e especialmente os transexuais e seus militantes, não souberam aproveitar o enredo da novela. "Me surpreendi com isso. Não esperava a indiferença de militantes a uma questão tão dolorosas: há muitos gays brasileiros escravizados lá fora", comentou  a novelista para GERALDOPOST.COM.

O QUERER

"O embate entre quereres tão diversos", explicou Glória Perez, sobre o tema central da novela. O querer sobre diferentes gostos e gestos. A Força do Querer, que teve o nome alterado em novembro de 2016, após a Globo constatar que À Flor da Pele já tinha sido registrado por outras empresas, como ocorreu com a próxima novela das 23h, que iria se chamar Em Nome do Amor, mas o título é de registro do SBT até 2023. "Tivemos que correr atrás de outro título que expressasse a essência da novela", explicou a autora que desta vez terá a trama dirigida por Rogério Gomes, o Papinha, que desde Agosto de 2016, se dedica às gravações da novela.



"Pode ser que mais adiante Neusa venha, mas isso depende da necessidade da história. Por enquanto, não há lugar pra ela na trama."
Sobre a ausência de Neusa Borges em  "A Força do Querer"

Ivana (Carol Duarte) que busca a identificação com o corpo, como personagem trans, Jeiza (Paola Oliveira) uma policial do BAC (Batalhão de Ação com Cães) que tem como sonho o MMA, Ritinha (Isis Valverde) e o prazer em fascinar os homens, e por fim Bibi (Juliana Paes) que larga sua vida comum ao ser apaixonar por um bandido e fazer tudo por este amor.

A vilã da novela estará sob o comando de Débora Falabella, como Irene, que fará de tudo para conquistar o seu querer: Eugênio (Dan Stulbach) um ricaço. Ritinha já foi denominada pela imprensa como destruidora de lares e Bibi Perigosa como uma grande bandida - Bibi é uma mulher que casada, acabou se envolvendo com o tráfico de drogas da Rocinha para proteger a família e o marido -, embora esta última está mais voltada para uma mulher que ama demais e faz tudo por este amor. A Bibi Perigosa é inspirada em Fabiana Escobar.

Fabiana é uma celebridade das redes sociais super conhecida no Rio de Janeiro pelas suas extravagâncias e por aparecer muitas vezes ao lado de criminosos, a vida real e a ficção irão interagir, especialmente ao telespectador carioca, através desta personagem, em uma seção de docudrama, uma especialidade da autora que já narrou para a massa a inseminação artificial (Barriga de Aluguel), crianças desaparecidas (Explode Coração), clone de humanos, dependência química (O Clone), experiência de quase morte (América), psicopatia e esquizofrenia (Caminho das Índias) e tráfico de humanos (Salve Jorge).

A novela vai ser mais curta do que o normal, em 173 capítulos, Glória que já escreveu tramas com até 221 capítulos, como O Clone, serão seis capítulos a menos do que Salve Jorge, sua última novela, extremamente criticada pela patrulha da internet e pela imprensa que deixou as falhas de continuidade do diretor Marcos Scherchmann - que não teve contrato renovado com a emissora - atrapalhasse o andamento da novela. O número de capítulo coincide com Partido Alto é a segunda novela mais curta da autora, a mais curta de todas foi Explode Coração, quando a autora fez um acordo com a emissora em terminar de escrever a novela para poder acompanhar o julgamento de Guilherme de Pádua e Paula Thomaz, que em 1992 mataram sua filha Daniela Perez.

Partido Alto (1984) - 173
Carmem (1987) - 180
Desejo (1990) - minissérie
Barriga de Aluguel (1990) - 243
De Corpo e Alma (1992) - 185
Explode Coração (1995) - 155
Hilda Furacão (1998) - minissérie
Pecado Capital (1998) - 185
O Clone (2001)- 221
América (2005) - 203
Amazônia (2007) - minissérie
Caminho das Índias (2009)- 203
Salve Jorge (2012) - 179
Dupla Identidade (2014) - série

Na entrevista abaixo mesclando uma de 2013, ainda inédita, e outra realizada neste ano a autora fala de sua última novela e da atual, que estreia em abril. A entrevista foi realizada em um acordo em que ela só falaria o que pudesse para não adiantar tramas da novela muito antes do lançamento e confirma a presença da transexual Maria Clara Spinelli, que fez Salve Jorge, e a importância do papel de Silvero Pereira, ator e produtor de grande sucesso no último ano, que está em cartaz no Rio com a peça "Uma Flor de Dama" e que Glória conheceu ao assistir "BR-Trans", em um papel de destaque. Confira:

GERALDOPOST: Uma das maiores crítica sobre Salve Jorge era a direção de continuidade - uma cena Morena apareceu com cabelos longos e na seguinte de cabelos mais curtos -, não é um erro seu, mas sua aproximação com telespectador acabou a deixando na boca do povo.
GLÓRIA PEREZ: Imagina se além das 32 páginas por dia um autor ainda tivesse que tomar conta da continuidade :-)))

GERALDOPOST: "Salve Jorge" enfrentou uma crise de audiência. Como foi? Você que é acostumada a grandes números, enfrentar essa crise?
GLÓRIA PEREZ: Eu mais do que esperava pro isso: estreamos no primeiro dia do horário de verão e ainda por cima com horário político. Se a TV se ressente agora disso, com programações que já estão no ar, imagine numa estreia!

GERALDOPOST: Antes mesmo da estreia, um lobby evangélico, liderado por Edir Macedo, passou a fazer ataques contra a novela, que trouxe no título o nome de um santo. Macedo usou sua dor - com a entrevista de Guilherme de Pádua - para atacar a concorrência.
GLÓRIA PEREZ: Sem comentários.

GERALDOPOST: Saiu na imprensa que "Salve Jorge" estava fechando a trilogia de novelas no oriente - após "O Clone" e "Caminho das Índias" -, teve mesmo essa preocupação de trilogia?
GLÓRIA PEREZ: Não há nenhuma trilogia. "Salve Jorge" não foi uma novela sobre uma cultura diferente: o exterior estava presente porque estávamos falando de tráfico internacional de pessoas. O tema da novela foi tráfico humano.

GERALDOPOST: Você escreve sozinha, mas teve o apoio do Carlos Lombardi, em "Caminhos das Índias" para tratar de um problema de saúde. Nunca pensou em ter colaborados para ajudá-la nas novelas?
GLÓRIA PEREZ: Adoraria, mas não sei. De todo modo, há muitas outras maneiras de preparar pessoas, de repassar o que aprendi durante esses anos de profissão.

GERALDOPOST: Você chegou a postar o Twitter que muitas pessoas/jornalistas, são  pagas para falarem mal da novela, tamanha era a avalanche de críticas negativas e gratuitas. Você acha que existe um 'lobby' de jornalista 'do contra'?
GLÓRIA PEREZ: Escrevi "Explode Coração", a novela que popularizou a internet no Brasil, interagindo com os frequentadores da BBS. Achei que as redes sociais, que permitem dialogar com um universo muito maior, podiam ser campo de uma troca ainda mais rica, para mim e para o público de novelas. Avaliei mal, os tempos são outros.

GERALDOPOST: Seu nome e 'o caso Daniela Perez', estão sendo exaustivamente citados pelo grupo 'Procure Saber', que visa o boicote de biografias não autorizadas. Qual sua opinião sobre o assunto do veto das biografias não autorizadas?
GLÓRIA PEREZ: Concordo com o Ministro Barbosa:  as biografias devem ser livres, e as indenizações muito pesadas, para desencorajar abusos. Como acontece, aliás, em qualquer lugar do mundo. Essa discussão perdeu o foco: Direito à privacidade e à intimidade é uma conquista dos direitos humanos e da democracia. O que temos é que discutir quais são os limites da liberdade de informação, que não é absoluta em nenhuma grande democracia.

GERALDOPOST: Já pensou em escrever a autobiografia ou te procuraram para escrever uma biografia sobre sua vida?
GLÓRIA PEREZ: Ainda não, mas espero deixar o testemunho da minha caminhada por aqui.

GERALDOPOST: Na ânsia de criticar, muitos dizem que você repete personagens, como a Diva (Neuza Borges), mas você é a única que dá trabalho a uma atriz tão esquecida do meio televisivo.
GLÓRIA PEREZ: Eu gosto de trabalhar com atrizes. Simples assim.

GERALDOPOST: Em 'Barriga de Aluguel' você retratou o drama da barriga de aluguel e inseminação artificial, depois em "Fina Estampa" o Aguinaldo Silva fez o mesmo, em "Amor à Vida" Walcyr Carrasco aborda o tema com outra percepção. Você sempre a frente do seu tempo, de onde vem inspiração para temas polêmicos? Dara (Tereza Seiblitz) e Júlio Falcão (Edson Celulari) se conheceram em 'Explode Coração' através de um chat/bate-papo, na época você foi massacrada pela imprensa e chamada de 'louca', mas hoje a internet é o melhor 'amigo das pessoas.'
GLÓRIA PEREZ: Todas essas coisas estavam ali, só dependia de enxergar. Eu me interesso muito por esses dramas novos, que o desenvolvimento das tecnologias introduz no cotidiano da humanidade: experiências que não tem referência no passado, como barriga de aluguel, transplante de coração, internet… Talvez minha formação em História explique esse olhar.

GERALDOPOST: O 'Pânico na TV' da ex-RedeTV! e hoje Band, fez uma caricatura sua, de forma bem grosseira, e você vetou na justiça que eles permanecessem com a personagem. Alguns dizem que é censura, mas é um caso extrapolado de liberdade de expressão e ofensa a imagem da celebridade, certo?
GLÓRIA PEREZ: Vetei não. Quem entrou na justiça contra eles foram Walcyr [Carrasco] e Aguinaldo [Silva]. Eu nunca vi essa caricatura. Não deve ser nada parecida comigo, porque me disseram que tem uma garrafa de bebida na minha frente e eu nunca bebi uma gota de álcool. Mas se é ofensiva tenho todo o direito de vetar, sim. Liberdade de expressão não é liberdade de ofender nem denegrir ninguém.

GERALDOPOST: Protagonista favelada, negra, mãe solteira e prostituída. Morena, interpretada por Nanda Costa, enfrentou uma imprensa partidária e preconceituosa…
GLÓRIA PEREZ: Que expressa o que ainda somos: um país preconceituoso e com extrema dificuldade de lidar com a diferença. O mundo é muito maior do que o nosso umbigo, embora algumas pessoas não se conforme com isso!

GERALDOPOST: Temas como os já citados internet e barriga de aluguel, além da aids, clone de humanos, desaparecimento de crianças, psicopatia, esquizofrenia, imigração ilegal, tráfico de pessoas, cegos, muçulmanos... Temas polêmicos e bem retratados por você no merchandesign social, existe uma orientação da Globo para inserir temas assim, ou os novelistas possuem carta branca?
GLÓRIA PEREZ: Carta branca

GERALDOPOST: Novos nomes como Duca Rachi, Vincent Vilari, Thelma Guedes, Isabel de Oliveira, Felipe Miguez e outros mais, estão surgindo, o que você acha desses novos nomes? É importante essa reciclagem e novas formas de contar novelas?
GLÓRIA PEREZ: É ótimo que novos talentos estejam chegando! Só mostra que o gênero novela está mais vivo que nunca!

GERALDOPOST: Como disse o Aguinaldo Silva em entrevista você faz parte das 'Ararinhas Azuis' da Globo. O Manoel Carlos anunciou a aposentadoria, como você encara essa 'batalha' de escrever novelas, é muito cansativo certo?
GLÓRIA PEREZ: É uma saga! Mas quando a gente gosta do que faz, tudo fica mais simples.

GERALDOPOST: Gays sempre estiveram presentes em suas novelas, como a Sarita (Floriano Peixoto) em "Explode Coração", um dos mais carismáticos personagem da novela. Júnior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro) de "América" sofreram um veto interno, da Globo, com o beijo gay gravado e não exibido, foi um momento difícil para você?
GLÓRIA PEREZ: Você esqueceu o dr. Junot, de "Carmem". Não sei se houve, antes dele, um gay não caricato. Quanto ao veto do beijo, fiquei frustrada, mas entendi: em todo lugar do mundo as emissoras tomam decisões assim, avaliando o perfil do seu público.

GERALDOPOST: Você, Manoel Carlos e Miguel Falabella, são os autores que não retratam gays como caricatura, pelo contrário, colocam essas personagem de forma humana nas novelas. Em 'Caminho das índias' com o terceiro sexo e recentemente em "Salve Jorge" com o foco dos traficantes com travestis, os militantes gays não souberam aproveitar "a deixa" da novela para uma campanha tão importante…
GLÓRIA PEREZ: Realmente não souberam. Me surpreendi com isso. Não esperava a indiferença de militantes à uma questão tão dolorosa: há muitos gays brasileiros escravizados lá fora.

GERALDOPOST: Duas grandes polêmicas de 'Salve Jorge' foram: a morte de injeção letal de Jéssica (Carol Dieckmann) e a entrada no elevador de Rachel (Ana Beatriz Nogueira) falando ao celular, procurando sinal. Você acha que as pessoas estão levando 'licenças poéticas' a sério demais? 
GLÓRIA PEREZ: Licença poética? [Sobre] a injeção letal é pura falta de informação de quem entendeu assim, porque é uma maneira de matar muito utilizada pelas máfias de tráfico humano: simula overdose e dispensa investigação policial. Quanto a entrar falando no celular no elevador… Jura mesmo que você nunca disse nem ouviu ninguém dizer: se a ligaçao cair é porque estou entrando no elevador?

GERALDOPOST: Seus últimos trabalhos foram com o Marchos Schechmann na direção-geral/núcleo. Mas agora com a Amora Mautner, quem pediu a mudança?
GLÓRIA PEREZ: Não há nenhum laço permanente entre autores e diretores. São casamentos temporários. Já trabalhei com muitos diretores, o Schechtman também trabalhou com muitos autores. É assim que rola.

GERALDOPOST: Você desmentiu, via Twitter, o jornalista Lauro Jardim que deu uma nota falando que você iria até Brasília falar com a ministra Carmém Lúcia em apoio ao 'Procure saber'. É uma interpretação "livre" - já que os principais membros te citam como exemplo de invasão de privacidade.
GLÓRIA PEREZ: Desmenti porque não era verdade. E que história é essa de interpretação livre? O que é isso? Se a moda pega, hem?

GERALDOPOST: Recentemente a minissérie "Amazônia, de Galvez a Chico Mendes" não foi reprisada no "Viva", por problemas de informações biográficas dos seringueiros. Em contrapartida virá na sequência a minissérie "Hilda Furacão", pela segunda vez, que cita personagens históricos como Jango. Como funcionam essas citações, é preciso autorização de cada biografado?

GLÓRIA PEREZ: Não tive nenhum problema com Hilda [Furacão]. E fiquei muito surpresa com a Ilzamar, mulher do Chico Mendes. Ela esteve junto conosco em Rio Branco, acompanhando tudo, fotografando com os atores, dando dicas a eles. Eu e Giovana Moraes, que na época era minha pesquisadora, tivemos dois encontros com ela para colher seu depoimento. O que está em "Amazonia" de sua vida com Chico foi literalmente contado por ela para a minissérie, e temos isso gravado em vídeo. Pra completar, seus filhos vieram ao Rio para falar no workshop, com passagens pagas pela Globo. Quer dizer…

GERALDOPOST: Durante a exibição da entrevista da Paula Lavigne, no Saia Justa, dia 15, você disse, via Twitter, "Fico chocada com a grosseria com q a Paula Lavigne está sendo tratada: Ideias a gente rebate com ideias, não com pedras!". O grupo te procurou para entrar na luta com eles? Você entraria?
GLÓRIA PEREZ: Eu não estava me referindo ao programa quando escrevi isso, estava me referindo ao fato de que ela estava sofrendo um verdadeiro linchamento, nas redes sociais e na imprensa. Quanto ao programa, não acho que ela tenha sido agredida, mas não a deixaram falar, completar uma idéia. Por isso fiquei decepcionada: eu queria ouvir o que ela tinha a dizer e o que as saias pensavam sobre essa questão dos limites da informação. Enfim, queria ter visto um debate. E nao vi.

GERALDOPOST: Mais de 60 crianças (segundo site de memórias da Globo) foram encontradas com a exposição do drama de 'crianças desaparecidas' em "Explode Coração", de 1996. Este ano, 263 casos de denúncias de tráfico humano, contra 17 do ano passado. Como se sente vendo tudo isso?
GLÓRIA PEREZ: Mais que recompensada!

GERALDOPOST: A morte da Daniela ainda é um assunto que a 'vira e mexe' volta às rodas de conversas. Depois da entrevista do Guilherme de Pádua, agora o grupo 'Procure saber' usa essa tragédia, tão pessoal, para ficar batendo boca por assunto até meio sem sentido 'que é a liberdade de expressão e o direito à privacidade'. 
GLÓRIA PEREZ: Não entendi assim e acho estranha essa interpretação. Eles se referiram ao caso da minha filha como um dos muitos exemplos concretos que se pode dar para demonstrar que toda liberdade tem limites. Isso em qualquer lugar do mundo, em qualquer cultura, em qualquer tempo. Na mesma linha, outro dos muitos exemplos que se poderia dar: Um estuprador preso e condenado, tem o direito de ganhar dinheiro usando a imagem da vitima para comercializar os detalhes sórdidos do seu crime? Nos EUA, por exemplo, que tem sido tão invocado como parâmetro, não tem [o direito]. Não entendi também o "assunto sem sentido": é isso que está em discussão, é isso que o STF vai discutir: o conflito entre dois direitos fundamentais da Constituição. Ambos essenciais para a democracia.

GERALDOPOST: Qual é o pano de fundo da novela?
GLÓRIA PEREZ: O querer. O embate entre quereres tão diversos. Mesmo entre pessoas que se amam.

GERALDOPOST: A novela causou polêmica muito antes de estrear com a escolha de uma heterossexual/cis gênero para fazer o papel de um trans, só depois que você explicou que você disse que seria a mudança de gênero de feminino para masculino. Como lidar com isso?
GLÓRIA PEREZ: Já imaginou se gênero e sexualidade viessem a ser critério para escolhas artísticas? Um hétero não poderia interpretar um gay, um gay não poderia interpretar um hétero… Indo mais longe, eu teria que ter importado um serial-killer do corredor da morte para interpretar o Edu de Dupla Identidade, Marlon Brando perderia o papel em O Poderoso Chefão para um mafioso de verdade… Atores pra que?

GERALDOPOST: Quem será a grande vilã da novela?
GLÓRIA PEREZ: Depende do ponto de vista...

GERALDOPOST: Em "Explode Coração" você abordou a transexualidade com Sarita Vitti (Floriano Peixoto), você chegou a dizer em entrevista que criava situações para a aceitação da personagem. O que mudou para o trans atualmente?
GLÓRIA PEREZ: As pessoas ainda tem pouquíssima ou nenhuma informação, mas o assunto está mais difundido.

GERALDOPOST: A Bibi será uma mulher que ama demais ou uma bandida?
GLÓRIA PEREZ: Bibi é inspirada numa pessoa real, a Bibi Perigosa, a baronesa do pó da Rocinha, que por amar demais, acabou no mundo do crime.

GERALDOPOST: Neusa Borges e Vera Fischer não estarão no elenco?
GLÓRIA PEREZ: Não. Pode ser que mais adiante Neusa venha, mas isso depende da necessidade da história. Por enquanto, não há lugar pra ela na trama. É uma atriz excepcional, gosto muito de trabalhar com ela!

GERALDOPOST: "O quereres" será tema de abertura? Quem canta esta versão do 'chamadão’?
GLÓRIA PEREZ: Ainda não decidimos nada a respeito da abertura

GERALDOPOST: O personagem do Silvero Pereira 'sonha com a vida artística', ele fará show de drag ou será teatro?
GLÓRIA PEREZ: O personagem de Silvero entra devagar, depois do primeiro mês, porque seu crescimento está associado à revelação do trans.

GERALDOPOST: E a campanha de fãs para a Maria Clara Spinelli fazer a novela? Ela está escalada?
GLÓRIA PEREZ: Vai entrar sim. Depois do primeiro mês, quando a história está mais focada na trama do Pará.

GERALDOPOST: Em "Salve Jorge" o público, especialmente o LGBT, ou o público trans, não soube aproveitar a exposição do tema de tráfico de pessoas com a Anita (Maria Clara Spinelli)?
GLÓRIA PEREZ: O grande público aproveitou muito bem, tornou-se atento à questão do tráfico. A novela popularizou essa informação, e disso eu me orgulho muito. Quanto ao público LGBT e trans, poderia ter aproveitado mais e melhor o assunto estar posto em discussão nacional, porque grande parte do contingente de pessoas traficadas para fins sexuais é composta por eles.

GERALDOPOST: O que você pode nos falar sobre a personagem da Fafá de Belém?
GLÓRIA PEREZ: É uma participação

GERALDOPOST: Você comentou dias atrás quem escolhia os nomes das novelas, você ou Boni. Como foi a escolha de "A força do querer”?
GLÓRIA PEREZ: Não podíamos usar À Flor da Pele, tivemos que correr atrás de outro título que expressasse a essência da novela.

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