“É uma novela que questiona a possibilidade de se dar bem no Brasil sendo honesto”, diz Manuela Dias na primeira frase do texto de Vale Tudo disparado para a imprensa na segunda (10). A trama, assinada por ela é do original de Gilberto Braga, Leonor Besseres e Aguinaldo Silva exibida em 1988, é considerada uma das melhores novelas de todos os tempos pela crítica e pelo público e traz embates aclamados sobre ética e corrupção.
O enredo principal apresenta uma filha inescrupulosa que rouba a mãe, foge para outra cidade em busca de se dar bem na vida, interpretadas pelas duas das maiores atrizes da história da teledramaturgia Regina Duarte e Glória Pires, com texto interpretando daquele que é considerado por muitos o maior autor de telenovela e é aí que mora um dos perigos deste remake: “É da natureza das histórias que sejam recontadas. Os remakes provocam encontros de gerações de pessoas que viram com pessoas que não viram e fazem a gente se repensar como sociedade”.
Na trama, a filha inescrupulosa Maria de Fátima (Bella Campos), vende a casa da mãe Raquel (Tais Araújo) e foge para o Rio de Janeiro em busca de um lugar ao sol, como influenciadora digital - profissão atualizada para o remake, no original ela queria ser modelo. “Toda a essência da novela original se mantém. Além disso, mantive todos os personagens e os arcos longos, que é o que acontece com o personagem no decorrer da trama. O que posso garantir é que quem viu a novela original vai se deliciar com fan services e diversos easter eggs”, conta a novelista que tem currículo obras como Amor de Mãe (2020), a única novela em sua extensa lista de trabalhos.
Um dos maiores desafios desta novela, é o elenco, que embora recheado de estrelas do primeiro escalão da emissora - que está com o casting reduzido devido a uma política de custos: “Não é só ter um intérprete bom, é preciso que ele case com aquele papel, que encaixe nessa família que você quer construir. Acho o elenco a coisa mais importante de tudo. A gente tenta ter todo o cuidado na escalação. Mas tem uma parte incrível que é quando parece que o personagem já vem junto com o ator”.
Bella Campos é a bola da vez quando se fala em críticas do público e em investimento da emissora, a atriz que vem de dois trabalhos de destaque - a Muda (Pantanal, 2021) e Jenifer (Vai na Fé, 2023) - é para muitos a atriz errada para o papel, que foi disputado por muitas atrizes em longos testes: “Quando a gente viu a Bella, todas as dúvidas sobre Maria de Fátima caíram”, a vilã movimenta boa parte da novela, com suas tramoias contra a mãe e aqueles que cruzarem seu caminho.
A preocupação em torno desta rejeição é tamanha que autora e diretor artístico saem em defesa da atriz:“O processo de escalação do elenco levou quase um ano. Foram muitos testes, experiências e ambientações. A leitura da Bella Campos foi definitiva. Digo sempre que Maria de Fátima escalou a Bella”, defende Paulo Silvestrini, diretor artístico da novela, que conta ainda que buscou um elenco jovem: "Buscamos intérpretes que dialogassem com o Brasil de hoje. Eu desejava um elenco jovem, inquieto, disposto a aproveitar todas as oportunidades do texto", completa.
A jovialidade do elenco é uma coisa que a Globo vem realizando e administrando com diversas críticas do público especialmente, sendo acusada inclusive de etarismo. No ano passado, na época que Mania de Você estava sendo lançada, críticas nas redes sociais apelidavam a trama de nova Malhação - novela juvenil que ficou no ar por mais de 20 anos com elenco jovem e que serviu como trampolin para grandes artistas.
A defesa se dá após a escalação de uma atriz negra para o papel de Fátima, que conquista Odete Roitmann, uma mulher racista que detesta o Brasil e dispara ofensas por onde passa e está aí um diferencial que promete ser interessante, a questão do colorismo: "Isto é o banzo, minha filha. Coisa de índio e negro", em um dos diálogos com a própria Maria de Fátima, na versão original. Fátima também tem contornos racistas e porofóbicos, em um deles é um diálogo que ela ofende Gildo, jovem que ajuda Raquel Accioly e vende lanches naturais na praia.
Na nova versão, Gildo será uma garota: Gilda (Letícia Vieira), esta é uma das inúmeras mudanças que Manuela Dias realizou na nova versão da novela. Entre elas, está com estão as linhas gerais das personagens: Consuêlo, Jarbas, Daniela e André, no original eram dois irmãos que criavam os dois sobrinhos, nesta nova versão a secretária de Marco Aurélio (Alexandre Nero) é casada com Jarbas (Leandro Firmino) e pais dos dois jovens que são interpretados por Jessica Marques e Breno Ferreira.
Ainda no núcleo cômico da novela, está Poliana (Matheus Naschtergale), que será assexual na nova versão. No original, ele vive uma paixão platônica pela ardilosa Maria de Fátima e embora goste da vilã, é o melhor amiga de Raquel.
A MAIOR VILÃ DE TODOS OS TEMPOS
A escalação de Débora Bloch para viver Odete Roitmann, papel que seria de Fernanda Torres também divide opiniões. Considerada a maior vilã de todos os tempos, suas falas e atitudes em cena sacudiram o país na época que a trama original foi exibida e marcou Beatriz Segall para sempre: “A sensação que eu tenho é que ela veio até aqui para fazer a Odete Roitman. Ela é uma atriz incrível, uma parceira de trabalho absurda e que qualquer autor quer ter perto”, conta Manuela Dias na defesa das escolhas de intérpretes das duas vilãs da novela.
Se para viver as duas vilãs a emissora precisou garimpar o casting reduzido, para viver a mocinha não foi preciso ir muito longe. A atriz estava disposta a aceitar o próximo trabalho, apenas se fosse uma vilã, mas mudou de ideia assim que seu nome começou a ser apontado como intérprete da heroína da novela.
“Eu me identifico com essa mulher essencialmente brasileira em muitos lugares, especialmente, por também querer dar o melhor exemplo para os meus filhos”, destaca Taís. “Taís é uma atriz generosa e corajosa. Sua interpretação da Raquel é de uma entrega rara, uma sinceridade comovente”, conta Paulo Silvestrini, diretor artístico da novela.
A escalação do elenco demorou quase um ano para ser realizado, enquanto isso a Globo via o horário nobre sendo assolado por tramas como Renascer (remake de Bruno Luperi) e Mania de Você (promessa fracassada de João Emanuel Carneiro), que sofreram com a escalação do elenco mas que não “Buscamos intérpretes que dialogassem com o Brasil de hoje. Eu desejava um elenco jovem, inquieto, disposto a aproveitar todas as oportunidades do texto”, conta Silvestrini.
LEIA ENTREVISTA COM MANUELA DIAS
O que está na essência da trama de ‘Vale Tudo’?
MANUELA DIAS: ‘Vale Tudo’ é uma novela que questiona a possibilidade de se dar bem no Brasil sendo honesto. A história vai ser contada por meio da trajetória da Raquel, que é a personagem da Taís Araujo e da Maria de Fátima, interpretada pela Bella Campos. As duas são mãe e filha e têm visões opostas sobre o caminho para se dar bem na vida, uma reflexão que permanece muito atual.
Por que recontar essa história?
MANUELA DIAS: É da natureza das histórias que elas sejam recontadas. As histórias que não foram recontadas nós nem conhecemos. É uma honra e um aprendizado para mim adaptar um texto do Gilberto Braga, do Aguinaldo Silva e da Leonor Bassères para os dias de hoje. Os remakes provocam encontros de gerações, de pessoas que viram com pessoas que não viram, e fazem a gente se repensar como sociedade.
Sempre que um remake é anunciado, cria-se uma expectativa e curiosidade sobre como será a adaptação. O que você pode adiantar sobre a nova versão de ‘Vale Tudo’?
MANUELA DIAS: Toda a essência da novela original se mantém. Além disso, mantive todos os personagens e os arcos longos, que é o que acontece com o personagem no decorrer da trama. O que posso garantir é que quem viu a novela original vai se deliciar com fan services e diversos easter eggs e, ao mesmo tempo, se surpreender com a nova narrativa. Os que não assistiram à primeira versão, vão ter contato com a potência dessa obra, fenômeno da dramaturgia brasileira completamente ancorada nos dias de hoje - nas tecnologias, questões éticas e conceitos atuais.
Você ficou dois anos estudando a novela, reescrevendo, entendendo os personagens. Nesse período, qual foi o seu maior desafio?
MANUELA DIAS: O maior desafio da novela é a estreia, é o encontro com o público. Está chegando este momento, e queremos um encontro lindo!
Como foi o processo de escolha o elenco?
MANUELA DIAS: A escalação do elenco foi um processo longo, porque tudo é muito pensado em conjunto. Não é só ter um intérprete bom, é preciso que ele case com aquele papel, que encaixe nessa família que você quer construir. Acho o elenco a coisa mais importante de tudo. A gente tenta ter todo o cuidado na escalação. Mas tem uma parte incrível que é quando parece que o personagem já vem junto com o ator. Nesse caso, não tem como não ser aquela pessoa. Com a Bella Campos foi assim. Quando a gente viu a Bella, todas as dúvidas sobre Maria de Fátima caíram.
Como foi escalar a Odete Roitman dessa nova versão?
MANUELA DIAS: Sempre esteve claro que não estávamos escalando uma pessoa para ser a Beatriz Segall, e sim, para interpretar a Odete Roitman, um personagem antológico e muito potente. E a Débora Bloch foi uma escolha quase incontornável. A sensação que eu tenho é que ela veio até aqui para fazer a Odete Roitman. Ela é uma atriz incrível, uma parceira de trabalho absurda e que qualquer autor quer ter perto.
Por que você acha que as pessoas devem assistir a ‘Vale Tudo’?
MANUELA DIAS: ‘Vale Tudo’ é uma novela com vontade de comunicação. Queremos esse encontro com o público. A gente vai matar a saudade não só da Maria de Fátima, da Raquel, da Odete, da Heleninha, do César, e de todos aqueles personagens maravilhosos, mas também desse folhetim que é muito clássico. É uma novela acessível, intensa, mas com humor espalhado dentro da trama. Acho que as pessoas vão se emocionar e se divertir, ao mesmo tempo que são convidadas a refletir sobre questões centrais da nossa identidade nacional.
E a pergunta que não quer calar: você já sabe quem vai matar a Odete Roitman?
MANUELA DIAS: Eu vou matar o Odete Roitman, isso é um fato (risos). Acho que eu já sei quem vai matar o Odete na trama. Descobri isso há um tempo, mas não ousei falar em voz alta. Nem a minha equipe sabe. Mas também me reservo o direito de mudar de ideia. Vamos ver.
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