Maria Clara Spinelli e Débora Falabella fazem um ensaio como Mira e Irene nos bastidores da novela (Arquivo Pessoal/MariaClaraSpinelli) |
O filme "A Felicidade de Margot" é adaptação de uma crônica homônima de Drauzio Varela pulicada no jornal Folha de S. Paulo que retrata a trajetória e a superação de uma profissional do sexo e foi exibido na segunda-feira (8) na TV Brasil. A atriz está ainda na série "Carcereiros" que a Globo adiou a exibição para 2018, mas que estreia em junho no Globoplay. Em "A Força do Querer" será Mira, uma personagem descrita pela autora Gloria Perez como muito má: será contratada por Caio (Rodrigo Lombardi) como secretária do escritório de advocacia para espiar Eugênio (Dan Stulbach), seu sócio, a mando de Irene (Débora Falabella).
No capítulo de sexta-feira (12), Irene está desesperada por que Eugênio está lhe evitando, ao saber que está sobrando uma vaga de secretária no escritório dos Garcia, ela lembra de Mira: "Eu preciso de uma pessoa de confiança aqui Mira, só pode ser você". Irene irá forjar dados no currículo de Mira que será contratada, assista a cena abaixo a primeira cena de Mira:
Maria Clara Spinelli entra em #aForçaDoQuerer como Mira pic.twitter.com/6uuJUJsf3i— Geraldo Junior (@geraldopost) 13 de maio de 2017
"Nunca ninguém teve essa coragem, essa ousadia, essa força de bancar esta proposta de trazer [uma trans para interpretar uma cis]. Isso Gloria Perez fez, o meu primeiro papel na TV surgiu através das mãos dela. Salve Gloria. Palmas para Gloria", comenta a atriz sobre a falta de representatividade na televisão brasileira. "Este posto, como você disse, histórico que estou tomando agora, não é só meu, é uma conquista de todas essas atrizes e artistas que lutaram desde Claudia Celeste, passando por Rogéria, Roberta Close, Jane Di Castro, Nanny People, todas essas e tantas outras que eu não consigo mencionar aqui, mais conhecidas ou menos conhecidas", completou.
Sobre a militância LGBT no país Maria Clara Spinelli cita o deputado Jean Wyllys e a cartunista Laerte como exemplo: "Por isso, eu chamo o Jean Wyllys de um militante, que admiro e respeito, assim como a cartunista Laerte, enfim, todas as pessoas que eu admiro e respeito e me representam", comenta. GERALDOPOST entrou em contato com o deputado federal para comentar o assunto, por mensagem no Facebook, ele respondeu: "Que maravilha! Eu acho a Maria muito talentosa [em letras maiúsculas]! Além de linda!".
INEDITISMO
Sobre a militância LGBT no país Maria Clara Spinelli cita o deputado Jean Wyllys e a cartunista Laerte como exemplo: "Por isso, eu chamo o Jean Wyllys de um militante, que admiro e respeito, assim como a cartunista Laerte, enfim, todas as pessoas que eu admiro e respeito e me representam", comenta. GERALDOPOST entrou em contato com o deputado federal para comentar o assunto, por mensagem no Facebook, ele respondeu: "Que maravilha! Eu acho a Maria muito talentosa [em letras maiúsculas]! Além de linda!".
INEDITISMO
A escalação de uma atriz trans para um papel cisgênero em uma novela das nove é inédito na televisão brasileira. Desde a estreia da TV no Brasil, em 1950, os transexuais nunca tiveram a oportunidade de mostrar o talento que não fosse em papéis cômicos e repletos de clichês. A primeira aparição de um homossexual na telenovela brasileira foi em 1970 na novela "Assim na terra como no Céu", de Dias Gomes. Ary Fontoura interpretou Rodolfo Augusto. Neste mesmo ano, em Nova York, foi realizada a Primeira Parada Gay do Mundo - o termo Parada Gay foi extinto, atualmente se fala Parada LGBT -, no dia 1º de julho. Em "O Bofe" (1972), Stanislava Grotowiska, era interpretada por Ziembinski, foi a primeira personagem travestida da história da telenovela brasileira.
O ator interpretou um homossexual na novela "O Astro" (1974) e o grande mistério da novela girou em torno do "Quem matou?" e tinha sido personagem que apaixonado pelo jovem Cauê (Buza Ferraz) matou Silvia (Bete Mendes) ao descobrir que Cauê era apaixonado por ela. Foram 63 anos até a emissora exibir o primeiro beijo entre personagens homossexuais, foi pelas mãos de Glória Perez que esta cena foi escrita e gravada pela primeira vez televisão brasileira, em 2005 na novela "América", porém a Rede Globo optou por não exibi-la frustando o público e causando protestos como um beijaço em frente aos Estúdios Globo, no Rio de Janeiro. A exibição só foi realizada na novela "Amor à Vida", de Walcyr Carrasco.
O ator interpretou um homossexual na novela "O Astro" (1974) e o grande mistério da novela girou em torno do "Quem matou?" e tinha sido personagem que apaixonado pelo jovem Cauê (Buza Ferraz) matou Silvia (Bete Mendes) ao descobrir que Cauê era apaixonado por ela. Foram 63 anos até a emissora exibir o primeiro beijo entre personagens homossexuais, foi pelas mãos de Glória Perez que esta cena foi escrita e gravada pela primeira vez televisão brasileira, em 2005 na novela "América", porém a Rede Globo optou por não exibi-la frustando o público e causando protestos como um beijaço em frente aos Estúdios Globo, no Rio de Janeiro. A exibição só foi realizada na novela "Amor à Vida", de Walcyr Carrasco.
Para a atriz Claudia Celeste - a primeira trans a fazer uma novela na televisão brasileira - é muito importante que a novela esteja abordando o tema 'trans' e ter escalado uma atriz trans para um papel na novela: "Isso é gratificante e saber que uma atriz como a Dandara Vital vai participar também desta novela, me deixa muito feliz... Espero que depois disso, apareçam muitas outras oportunidades para os artistas do gênero trans e transformistas profissionais", comenta a atriz que foi tirada às pressas da novela "Espelho Mágico" (1977), quando os censores descobriram sua participação na trama de Lauro César Muniz, através de uma coluna no jornal, leia abaixo:
Reprodução/Arquivo pessoal/Claudia Celeste |
Claudia Celeste ressalta ainda que as travestis, transexuais e transformistas deveriam ser chamados com mais frequência para papéis na televisão: "E [que] não deem um espaço de mais de vinte anos para acontecer algo semelhante, como foi o caso da novela que eu fiz desde 1988 e, até hoje, nunca mais se falou em Travestis Artistas, nem em Teatros, muito menos em TV", completou. Durante a ditadura militar, os papeis de transexuais eram interpretados por homens cisgêneros que usavam da artimanha do disfarce, para a censura era muito importante que o público soubesse que aquela prática era única e exclusiva para se safar de algo. Celeste foi tirada de cena e só voltou a fazer uma novela em 1988, já com o fim do período militar, na novela "Olho por Olho", de José Louzeiro e Geraldo Carneiro, na Manchete.
A atriz transformista Rogéria, é uma exceção na faixa nobre da televisão brasileira, em "Tieta" (1989), ela interpretou a personagem Ninete, o enredo da novela e as falas da trama de Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moreztshon caprichavam no teor cômico, com muitos sarcasmo e transfobia. "Ela é uma procuradora, que é procurador", dizia a personagem Tieta (Betty Faria) ao falar da empregada. Embora, em determinado capítulo, Tieta defende a personagem das garras do preconceito da hipócrita Santana do Agreste.
A escalação de Spinelli tem sido comemorada no circuito LGBT: "Já vi um trabalho da Spinelli e gostei muito, espero que realmente estejam a escalando para valorização do seu trabalho enquanto atriz, e não para justificar a ausência de pessoas trans interpretando suas próprias histórias, porque a novela esta bem legal, mas representatividade importa sim", diz a atriz Dandara Vital, que participou do capítulo que foi ao ar quinta-feira (11), ao lado de Silvero Pereira. Gloria Perez em entrevistas recentes disse que a personagem já estava em seus planos e não a criou depois da polêmica em torno da escalação de Carol Duarte para interpretar Ivana, personagem que se descobrirá trans-homem.
A escalação de Spinelli tem sido comemorada no circuito LGBT: "Já vi um trabalho da Spinelli e gostei muito, espero que realmente estejam a escalando para valorização do seu trabalho enquanto atriz, e não para justificar a ausência de pessoas trans interpretando suas próprias histórias, porque a novela esta bem legal, mas representatividade importa sim", diz a atriz Dandara Vital, que participou do capítulo que foi ao ar quinta-feira (11), ao lado de Silvero Pereira. Gloria Perez em entrevistas recentes disse que a personagem já estava em seus planos e não a criou depois da polêmica em torno da escalação de Carol Duarte para interpretar Ivana, personagem que se descobrirá trans-homem.
"Estou torcendo muito por Spinelli, que ela venha fazer história, abrir caminho, que quebre esse rótulo de que nós trans não somos capazes, porque é assim que eles pensam. Na minha opinião, é um pensamento desatualizado, estamos nos capacitando, mas precisamos de oportunidades, senão vamos continuar nas ruas, becos, esquinas... Não que isso seja errado, mas o erro esta quando este é o único caminho", completa a atriz que ganhou projeção com a peça "Dandara Através do Espelho" e é criadora do TransArte, festival que abordou temas de identidade de gênero e sexualidade de grande sucesso no Rio de Janeiro no ano passado.
Para Renato Viterbo o diretor da APOGLBT, entidade que organiza a Parada LGBT de São Paulo, uma das maiores do mundo "Essas participações em novelas além de abrir as portas para o diálogo com a sociedade e de mostrar algo que a sociedade tenta evitar e varrer pra debaixo do tapete, mostra que independente de suas orientações sexuais são excelentes profissionais e que estão buscando seu lugar ao sol. Todos nós ganhamos. E isso é muito importante”. A Parada LGBT de São Paulo será realizada no mês que vem.
Rogéria, atriz transformista de sucesso nacional, fez duas novelas no horário nobre na Globo, porém sempre em papéis que a sua condição sexual sempre esteve evidente e explorada. Em 2013, interpretou Alzira Celeste, na novela "Lado a Lado", de Claudia Lage e João Ximenes Braga na faixa das 18h. "Tá vendo? Não precisa ser mulher para fazer uma mulher, basta ser ator", disse a atriz na época. Em 2014, na faixa das 21h ela voltou na fazer uma transexual na novela "Babilônia", de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, o esteriótipo do ser sempre o mesmo, remetendo tudo ao transformismo, glamour e brilho.
A artista transformista Jane Di Castro, que também participa da novela, em uma homenagem que Gloria Perez faz para ela comemora a escalação de Spinelli na novela: "A gente tem que aceitar, encarar e fazer, isso que é mostrar ter talento. Agora não vamos confundir que toda trans é talentosa né? Então toda mulher também seria atriz", disse a artista de 51 anos de carreira com shows, militância e protagonista do documentário "Divas Divinas", de Leandra Leal, ao lado de Rogéria. "Eu acho muito bacana essa jogada da Gloria Perez, colocar a Spinelli para fazer uma mulher, porque antes de começar a novela tinha muita campanha contra, as pessoas falavam demais, elas criticavam muito o trabalho da Gloria sem assistir. A novela nem tinha começado já estavam fazendo críticas contra, espero que agora elas pensem ao contrário, estejam satisfeitas felizes, por que está sendo muito bem feito com todo carinho, toda leveza e que daqui pra frente vai melhorar mais ainda", completa.
Rogéria, atriz transformista de sucesso nacional, fez duas novelas no horário nobre na Globo, porém sempre em papéis que a sua condição sexual sempre esteve evidente e explorada. Em 2013, interpretou Alzira Celeste, na novela "Lado a Lado", de Claudia Lage e João Ximenes Braga na faixa das 18h. "Tá vendo? Não precisa ser mulher para fazer uma mulher, basta ser ator", disse a atriz na época. Em 2014, na faixa das 21h ela voltou na fazer uma transexual na novela "Babilônia", de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, o esteriótipo do ser sempre o mesmo, remetendo tudo ao transformismo, glamour e brilho.
A artista transformista Jane Di Castro, que também participa da novela, em uma homenagem que Gloria Perez faz para ela comemora a escalação de Spinelli na novela: "A gente tem que aceitar, encarar e fazer, isso que é mostrar ter talento. Agora não vamos confundir que toda trans é talentosa né? Então toda mulher também seria atriz", disse a artista de 51 anos de carreira com shows, militância e protagonista do documentário "Divas Divinas", de Leandra Leal, ao lado de Rogéria. "Eu acho muito bacana essa jogada da Gloria Perez, colocar a Spinelli para fazer uma mulher, porque antes de começar a novela tinha muita campanha contra, as pessoas falavam demais, elas criticavam muito o trabalho da Gloria sem assistir. A novela nem tinha começado já estavam fazendo críticas contra, espero que agora elas pensem ao contrário, estejam satisfeitas felizes, por que está sendo muito bem feito com todo carinho, toda leveza e que daqui pra frente vai melhorar mais ainda", completa.
HISTÓRICA
A autora Gloria Perez é notoriamente a frente de seu tempo, na década de 1980 escreveu a sinopse da novela De Corpo em Alma inspirada na história de João Nery, o primeiro caso nacionalmente conhecido de transexual no país. João fez a mudança de sexo em uma época que nada se conhecia sobre o assunto e perdeu tudo o que tinha ao adotar um novo nome, é um percursor sobre o assuntos de transgênero no país. A trama foi vetada e posteriormente exibida em 1992 sem a trama da transexualidade.
Em 1995, a própria autora Gloria Perez na novela Explode Coração trouxe para a sociedade a discussão sobre a transexualidade através do personagem Sarita Vitti (Floriano Peixoto), a primeira cena foi uma resposta à transfobia ao ser insultada dentro de um estabelecimento comercial, mais realista impossível. Em entrevista à revista Contigo!, na época, a autora disse que construiu a personagem Sarita Vitti totalmente humano para que o público a aceitasse, a trajetória da personagem teve duas fase, do humor e do drama. Sarita, durante a novela, entrou na justiça para adotar uma criança soropositiva e teve um final feliz, embora este desfecho tivesse sido apenas sugerido.
Artigos acadêmicos abordam a transexualidade nas telenovelas e refletem sobre o teor humorísticos que os personagens eram retratados, em "Travestimentas e transexualidades no entretenimento televisivo", Joseylson Santos faz um panorama sobre os trans nas novelas, programas e reportagens jornalísticas, mostrando como as trans, sejam elas travestis, transexuais ou transgêneros, eram jocosamente abordados nos múltiplos meios de comunicação. "Toda vivência, imagem ou fala que não corresponder ao modelo inteligível de gênero é construída discursivamente para expressar o indivíduo “perturbado”, “insalubre” ou “excêntrico”, entre outras palavras capazes de produzir abjeção", relata o antropólogo no estudo apresentado em 2015.
A abordagem da autora até agora no mostra uma sensibilidade impressionante, intercalando a cena entre os personagens Ivana (Carol Duarte) e Nonato (Silvero Pereira), ambos lutam e refletem sobre a identidade de gênero na trama. Ela que busca o reconhecimento em um corpo que não se sente feliz e ele como a transformista Elis Miranda, busca o sucesso e reconhecimento artístico. O texto primoroso de Gloria Perez e o talento de Carol Duarte e Silvero Pereira tem transformado as cenas em momentos de conflito nos fazendo refletir sobre 'o que' e 'quem somos' na sociedade que vivemos.
Na sessão de terapia Ivana contou sua trajetória como pessoa, rememorando momentos importantes de sua vida. O fato de ser uma idealização de sua mãe, os conflitos com que tem passado garantiram cenas brilhantes. Ivana conta que comprou lingeries e como se sentiu: "Eu me senti fantasiada, pronta para ir num bloco, não sou eu!", disse a personagem. Posteriormente experimente a peça íntima ela entrou em conflito com o que via no espelho, batendo no próprio corpo. A cena foi o segundo assunto mais comentado do país no Twitter. Na semana passada, entre 1 e 7 de maio, a novela ficou em 9º e 10º entre os assuntos mais comentados do Twitter com 4,6 milhões de visualizados no microblog. A média nacional da novela é de 31,7 pontos, nos primeiros trinta capítulos.
Na sessão de terapia Ivana contou sua trajetória como pessoa, rememorando momentos importantes de sua vida. O fato de ser uma idealização de sua mãe, os conflitos com que tem passado garantiram cenas brilhantes. Ivana conta que comprou lingeries e como se sentiu: "Eu me senti fantasiada, pronta para ir num bloco, não sou eu!", disse a personagem. Posteriormente experimente a peça íntima ela entrou em conflito com o que via no espelho, batendo no próprio corpo. A cena foi o segundo assunto mais comentado do país no Twitter. Na semana passada, entre 1 e 7 de maio, a novela ficou em 9º e 10º entre os assuntos mais comentados do Twitter com 4,6 milhões de visualizados no microblog. A média nacional da novela é de 31,7 pontos, nos primeiros trinta capítulos.
GERALDOPOST entrevistou a atriz Maria Clara Spinelli
Seus papéis anteriores eram transexuais, agora chegou a vez de uma personagem com forte teor dramático (vilã) sem se limitar ao teor humorístico. É a virada de identidade de gênero na TV?
Sim! Sim! Sim! Eu estou tão emocionada, que eu fico sem palavras, por que, isso que a Gloria Perez está fazendo... Eu tenho que aqui falar sobre a Rede Globo, eu preciso dizer sobre a Rede Globo, por que: a Gloria está fazendo por que a Rede Globo está recebendo, produzindo, acreditando, bancando esta história, esta personagem e esta atriz. Então é mérito é todo de Gloria Perez e desta empresa, eu preciso dizer isso, que está construindo isso com a maior beleza e dignidade possível. Isso é mérito de todos os diretores, atores e equipe que me recebem tão bem, que a Globo preparou toda a empresa para este momento. A Globo primeiro preparou a sua casa, a sua base, a sua empresa, através de workshops, de palestras, de um trabalho interno sobre gênero, sexualidade e identidade para receber este trabalho e preparou o público através de matéria, no Profissão Repórter, através de especiais no “Fantástico”, preparando o público, preparando a sociedade para inserir esta história. O mérito da Rede Globo é muito importante neste momento na TV, do país, da sociedade para nós conseguirmos realizar sim, esta, como você chama de virada de identidade de gênero na TV, na teledramaturgia brasileira. Palmas para a Gloria Perez, palmas para a Rede Globo. Todo o meu respeito, toda minha alegria, meu prazer e minha honra de participar deste momento junto com vocês.
Pela primeira vez na história uma atriz transexual fará uma mulher cisgênero em uma novela das nove, está pronta para fazer história na TV?
Em primeiro lugar quero agradecer pelo seu apoio sempre, pelo convite para a entrevista acho importante nós falarmos sobre tudo isso da maneira mais positiva possível e você é uma pessoa sempre engajada em trazer visibilidade para este tema tão importante e para tentarmos evoluir, enquanto artistas, dramaturgia e sociedade. "Atriz transexual" eu acho que é um termo equivocado, eu sou uma atriz, também sou uma mulher que nasceu transexual e também sou filha de Lídia Spinelli com muita honra e muito orgulho da minha mãe, da mulher que ela é, da mulher que ela me ajudou e me tornar e também sou neta de italianos, também sou prolixa, tantas características, como assim ter nascido transexual. Mas eu entendo que este termo que é muitas vezes usado na imprensa de uma “atriz transexual”, primeiro por que é algo novo e as pessoas não sabem muito como lidar com isso e segundo por que é importante também para a visibilidade, eu já vi uma menina dizendo que quando tudo isso se tornar muito natural nós não precisaremos mais usar esses termos, mas agora para a visibilidade, para uma marca na história de uma mudança é importante chamar a atenção.
Em 1976 a atriz trans Claudia Celeste foi "tirada" do ar por ser trans, o Brasil vivia a era do chumbo com a Ditadura Militar, como se sente 40 anos depois assumindo este posto histórico?
Isso me deixa muito emocionada, por que esse momento representa uma evolução, representa uma evolução na sociedade, na dramaturgia, no meio artístico e agora a televisão, o público e o mainstream (indústria) está preparada para que isso aconteça. Claudia Celeste foi essa percursora, que começou e estava muito a frente do seu tempo e que muito bravamente teve a ousadia de ocupar este lugar e ela ocupou, mas a ditadura militar e o histórico social da época não permitiu que ela continuasse e 40 anos depois, de muita luta, sofrimento, coragem. De muitas mulheres, atrizes, artistas, como Rogéria, que é maravilhosa que eu admiro muito, como a Roberta Close, que foi uma grande modelo e que é uma das mulheres mais bonitas do Brasil, uma artista também que era um símbolo de beleza na época dela, todas essas artistas vieram construindo, abrindo esse espaço para este momento acontecer, então este posto, como você disse, histórico que estou tomando agora, não é só meu, é uma conquista de todas essas atrizes e artistas que lutaram desde Claudia Celeste, passando por Rogéria, Roberta Close, Jane Di Castro, Nanny People, todas essas e tantas outras que eu não consigo mencionar aqui, mais conhecidas ou menos conhecidas. Então é representando todas elas e é graças a luta de todas elas, que eu estou aqui. Então, 'estamos aqui', estamos juntas aqui. Claudia Celeste, Rogéria, Nanny, Roberta, Jane Di Castro, que agora com muita honra eu compartilho este trabalho com ela nosso segundo trabalho, trabalhamos juntas em “Salve Jorge”. Então, este posto histórico quem está assumindo somos todas nós.
Como surgiu o convite para fazer o personagem?
O convite surgiu através da Gloria, é uma criação dela. Embora eu tenha trabalhado muito menos que outras atrizes da minha geração, tenha feito muito menos coisas que eu gostaria, eu sou uma atriz muito privilegiada tudo o que eu fiz é tão incrível, eu tenho tanto orgulho de todos os meus trabalhos, a minha carreira, de ter começado na TV pelas mãos de Gloria Perez, por ela ser a minha madrinha na TV e me sinto muito honrada por ela estar escrevendo um papel para mim nessa novela, isso é um privilegio eu sou muito grata à vida e grata à Gloria, por ela ser essa artista com a maiúsculo, por que o artista, o criador ele é o visionário, ele é o que traz o novo, ele é que traz a luz, ele é que traz a evolução para uma sociedade. Ele mostra um caminho que até então ninguém via, por isso ele é um visionário. E a Gloria, tem isso, muito claramente explicitado em toda carreira dela, a Gloria é uma visionária e ela tem que se conter às vezes, que ela tem ideias que a TV e a sociedade, a dramaturgia ainda não estão preparadas e ela espera o momento certo como está acontecendo agora com “A Força do Querer”, e ela volta com uma ideia que ela tinha há muito tempo na hora certa para poder produzir algo que ela já tinha concebido antes, que não podia ser assimilado e aceito pela sociedade. A Mira surgiu através da Gloria, eu preciso dizer isso, às vezes parece apenas uma gratidão de uma atriz que esta fazendo um grande papel, mas eu preciso dizer que não é só isso, a Gloria está fazendo para mim muito mais que me dar uma grande personagem, ela está abrindo uma porta para mim, para minha carreira, que nunca ninguém antes havia aberto. Gloria Perez está me colocando em um lugar que eu sempre almejei durante toda uma vida, durante toda uma carreira, que é o lugar de uma atriz que pode fazer sim uma personagem transgênero, pode sim fazer sim uma personagem cisgênero, que pode fazer qualquer personagem, qualquer grande personagem, como eu fiz até agora transgêneros e como agora, na dramaturgia, na TV brasileira, eu estou tendo a oportunidade de fazer a minha primeira grande personagem que é uma mulher cisgênero e isso parece uma coisa simples, parece uma coisa fácil. Diretores, produtores e autores me elogiam muito como atriz, mas nunca ninguém teve essa coragem, essa ousadia, essa força de bancar esta proposta de trazer, “vou colocar Maria Clara Spinelli para fazer uma vilã na minha novela, na novela das nove”. Isso Gloria Perez fez, o meu primeiro papel na TV surgiu através das mãos dela. Salve Gloria. Palmas para Gloria. Agradeço isso em meu nome, claro que isso é muito importante para mim, mas agradeço em nome de todas as meninas que vem junto comigo, todas as meninas que estão por vir, todas os meninos, todas as atrizes, todos os atores, todos os artistas que são também pessoas nasceram transexuais como eu, com muito orgulho. Mas que esperam a chance de mostrar o seu trabalho, e o seu talento e muitas vezes não lhe são dada estas chances. Então, estamos juntas fazendo história, tenho muito orgulho de participar disso e fico muito honrada por você ter confiado a mim, este mérito, este posto, este lugar tão importante que vai ficar marcado na minha carreira para sempre.
Quem é Mira?
A Mira é uma personagem misteriosa, assim como a personagem Irene (Débora Falabella) eu estou muito feliz por fazer a minha primeira vilã, até hoje eu só fiz mocinhas sofredoras, que são personagens ricos e difíceis também, mas eu queria muito fazer um outro lado humano e poder mostrar isso e eu nunca tive a chance em outros momentos, em outros trabalhos. Ela tem uma intimidade tão grande com a Irene, e você só tem intimidade e histórico de vida incomum com uma pessoa com a qual você, de alguma maneira, você tem laços muitos fortes se identifica com aquela pessoa com o seu caráter e o seu coração. Nós estamos descobrindo quem é Mira, mas acredito que mira tenha também um lado sombrio muito forte, embora ela tenha tons e cores mais suaves que a Irene, ela é mais engraçada, ela é mais leve, talvez. Eu brinco que a Mira é uma Irene versão safadinha, ela se diverte mais com as pequenas, ou talvez grandes, vamos descobrir, crueldades. Ela é mais leve nas suas maldades, e eu não sei se isso talvez a torne mais cruel ou mais humana, nós vamos descobrir isso ao longo da história. Eu estou muito feliz com o que eu já pude descobrir e fazer com esta personagem.
Esta é a sua segunda novela, ambas no horário nobre e de Gloria Perez e em papeis exclusivamente escrito para você.
Sim, isso é um grande privilegio estrear pelas mãos de Gloria Perez. Ela me trouxe para a novela “Salve Jorge” (2012) por que ela gostou do meu trabalho e eu digo que talvez, ter esta nova estreia uma reestreia, um novo ciclo um novo começo da minha carreira, por tudo o que já falamos, por todo este significado tem essa grande e nova personagem que é a Mira para mim, através também das mãos de Gloria Perez. Eu só posso dizer que, sem nenhuma dúvida que este é o momento mais feliz da minha carreira como atriz.
A semana foi especial com a exibição do filme "A Felicidade de Margot" e sua entrada em "A força do querer", como tem lidado com o sucesso?
Sim a semana foi muito especial, "A Felicidade de Margot" faz parte da comunidade dos países de língua portuguesa, nove países, cada país produziu um filme “A Felicidade de Margot” é nosso representante, inspirado em uma crônica do Drauzio Varella, meu segundo trabalho da obra do Drauzio, eu também fiz Carcereiros, uma série que tem previsão de estreia para junho no Globoplay e para 2018 na Globo, protagonizada também pelo querido Rodrigo Lombardi. Uma série que ganhou um prêmio na maior feira de TV do mundo que é realizada em Cannes. Então a expectativa é muito grande. É uma semana de luz, a Mira entra na novela e eu considero tudo isso uma presente da vida para mim, por que daqui uma semana é o meu aniversário e acho que a vida está sendo muito generosa comigo. Nem sei se eu mereço tanto felicidade assim, é um presente muito grande, este momento tão especial na minha carreira para mim.
A militância LGBT, na sua opinião, é forte?
Acho que o movimento LGBT no mundo, não sei se estou falando uma besteira, mas desde Harvey Milk, e talvez antes, ele é fundamental para nós conseguirmos os direitos como todo e qualquer cidadão de bem em uma sociedade. A militância tem o poder grande, quando ela é organizada e quando ela tem o objetivo para o coletivo. Eu acredito que, desde Harvey Milk, desde Stonewall, que foi antes de Harvey Milk. Eu acho que a militância no Brasil, possui representantes que eu admiro e respeito, não sei se posso aqui citar o deputado Jean Wyllys, não sei se ele se encaixa em militância, não sei o que significa exatamente o termo militância, eu acredito que militância seja toda e qualquer pessoa que haja socialmente em prol de uma comunidade. Por isso, eu chamo o Jean Wyllys de um militante, que admiro e respeito, assim como a cartunista Laerte, enfim, todas as pessoas que eu admiro e respeito e me representam. Jean Wyllys me representa, cartunista Laerte me representa. Eu acho que talvez neste sentido, não sei se estou bem interpretada, estando inserida na sociedade, no mundo artístico, como tem acontecido, de uma maneira séria, digna e profissional, fazendo meu trabalho, com o maior empenho que eu posso, sendo a melhor profissional que eu posso, sendo uma pessoa digna socialmente, como a minha mãe me ensinou a ser e como sempre foi. Eu acho que esta é a militância que eu faço, essa é a militância que eu quero oferecer e que eu quero fazer. Sendo uma pessoa que exige os seus direitos, como todas as pessoas de bem deste país. É isso que eu venho fazendo, é nisso que eu acredito e eu sei que eu tenho uma responsabilidade social sim, por que sou uma artista, uma atriz, uma figura pública e dentro desta responsabilidade tento trazer o melhor exemplo possível para a comunidade que talvez também se identifique também comigo, que são os LGBTs, são as pessoas, as mulheres e os homens que nasceram transexuais assim como eu.
Estudos acadêmicos apontam o preconceito enraizado na teledramaturgia em que personagens gays ou trans são geralmente voltado para a comédia ou marginalizados. Em "A força do querer" Gloria vai na contramão com o drama da Ivana (Carol Duarte), tem se identificado com a personagem?
Totalmente. Completamente. Eu e a Carol conversamos muito nos bastidores e eu sempre comento com a Carol: 'Meu Deus a Gloria, que lindo isto escrever este texto, esta situação, esta cena'. Isso que você com a psicóloga eu também passei, olha aconteceu isso comigo e foi muito parecido com isso da Ivana, Meu Deus que doloroso isso para a Ivana passar por isso, sentir isso...Eu me identifico completamente com a personagem, parabéns Gloria pela seriedade de pesquisa, pela beleza em retratar esta personagem. Embora Ivana seja um homem que nasceu transexual e eu seja uma mulher que nasceu transexual, nós temos tudo em comum e a Gloria está retratando isso da maneira mais linda, mais real, mais humana possível, por que não é o esteriótipo de ser homem ou de um homem, seja ele cisgênero ou transgênero. O que é ser um homem, o que é você não estar adequado ao seu corpo, à sua morfologia. O que significa tudo isso? Qual é esse drama? Só quem passou, quem sentiu e viveu pode entender, que é uma coisa intransferível, subjetiva e pessoal. É uma experiencia completamente única. E a Gloria está contando esta história da maneira mais humana, digna e verdadeira possível e através da beleza das palavras e do texto da Gloria, esta história interpretada lindamente pela atriz Carol Duarte está conseguindo tocar e chegar ao coração do público, não com didatismos, panfletagens e explicações, mas sim com o sentimento, com o coração e o amor. Eu acredito que só o amor pode transformar o que parecia ser impossível ser mudado, só o amor pode fazer evoluir com o tempo uma sociedade, trazer luz onde antes só havia trevas.
A Gloria Perez foi acusada de falta de representatividade por escalar uma atriz cis para o papel de um trans, porém ela inverteu o jogo escalando uma trans para uma cis.
A Gloria Perez na verdade sabe o que significa ser uma atriz, o que significa ser um ator e qual a importância de um ator, para uma trama e um trabalho. Este é o trabalho da Gloria Perez, que ela faz magistralmente, é por isso que ela é uma das maiores roteiristas de TV, dramaturgas do mundo, premiada com Emmy. O que ela fez, foi colocar o ator e a atriz no lugar do ator e da atriz. Tenho muito orgulho cada vez que eu vejo das cenas da Carol Duarte como Ivana, eu fico tão orgulhosa, tão feliz, o meu coração se enche de amor, de alegria... Por que é esta atriz maravilhosa que está tendo a oportunidade de fazer essa personagem tão incrível, através das mãos de Glória, escolhida pela Glória, estou até emocionada em falar. Assim como o Silvero Pereira, este grande ator, que eu admiro muito profundamente, que a Gloria sabe reconhecer um grande ator, trouxe o Silvero para fazer este personagem, que é o Nonato. Tenho a honra de participar deste time incrível com a Carol, com Silvero, com Débora [Falabella, que faz Irene], com o Rodrigo [Lombardi, que faz Caio], com Dan [Stulbach, que faz Eugênio], com Claudia Melo [que faz a Zu], com todos que me receberam com tanto amor, estão me recebendo com tanto amor. Que estão me recebendo com tanto carinho, tão generosos. Lilia Cabral [que faz Silvana], Zezé Polessa [que faz Edinalva], Maria Fernanda [Cândido, que faz Joyce], enfim. Eu só tenho alegria em poder estar junto deste grupo tão incrível e neste trabalho tão especial, tão marcante que é “A Força do Querer”.
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