Do ponto de vista estrutural, a novela consegue misturar de maneira brilhantemente exata o folhetim melodramático com os desníveis sociais que assolam a nossa inter-relação pessoal e, consequentemente, a economia e a geografia sociopolítica. Veja bem: durante a abertura política (a produção é de maio de 1988/ janeiro de 1989), o que mais chamou a atenção não só de pensadores, intelectuais, classe artística, mas da população de maneira geral, foi a questão da honestidade do brasileiro. Bem longe da teoria de Rousseau, que pregava que o homem em sua essência era bom, a sociedade que o corrompia, chegava-se cada vez mais à conclusão de que o famoso 'jeitinho brasileiro' tinha vencido a guerra contra os valores éticos. O país encontrava-se num mar de lama, escândalos financeiros, trapaças, combates onde prevalecia a regra 'olho por olho, dente por dente', desnível social cada vez mais acentuado.
Ao redor do embate central entre mãe, Raquel, honesta (Regina Duarte) e filha, Maria de Fátima, “vale tudo” (Glória Pires), pairava a grande questão da novela: vale a pena ser honesto e decente no Brasil? É claro que até para a nossa sobrevivência emocional, precisamos crer na decência e na ética. Daí personagens como Raquel, Afonso (Cássio Gabus Mendes), Solange (Lídia Brondi) e a afável tia Celina (Nathalia Timberg); ou mais complexos na gangorra do vale tudo, como Ivan (Antonio Fagundes). Há que salientar-se que todo esse quadro provêm de uma desordem afetiva e de não aceitação da condição social da própria família num comparativo com uma realidade externa; o mundo da aparência, do supérfluo, da supervalorização do dinheiro.
Não posso deixar de destacar a emblemática matriz da gênese humana que é a ligação entre mãe e filha. Ou seja, de fundamentos míticos e melodramáticos, a novela parte para uma questão pós-moderna, sempre atual, que é o conflito de gerações, a ascensão social inerente ao ser humano. O que acirra a questão é o qual ou quais caminhos escolhemos para alcançar os nosso objetivos.
Vale Tudo é o ponto mais alto da investigação social proposta por Gilberto Braga em novelas adaptadas de romances e teatro como Senhora, Escrava Isaura e Dona Xepa; não por um acaso histórias populares que sedimentaram a carreira do autor e promoveram a telenovela brasileira no Brasil e no exterior. Para ser bem exato, as três constituem a origem do que passamos a ver no Brasil de Vale Tudo até os dias de hoje... Acrescido a elas, o fenômeno Dancin’ Days (1978), de um Brasil ainda envolto por uma aura festiva; mas já pontificando para o desequilíbrio das décadas seguintes.
Por fim, e fundamental, destaco a requintada direção de Dennis Carvalho e Ricardo Waddington, valorizando em imagem a impactante história criada por Gilberto Braga.
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