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Como a morte é um grande negócio em “Vale Tudo”


A morte de a Odete Roitman vai movimentar o intervalo comercial da novela das nove, nesta segunda (6), na TV Globo. O perfil da Globo nas redes sociais, voltado a empresas de publicidade faz uma chamada para anunciar no intervalo da novela: "O Brasil vai parar dia 06/10,  e a sua marca pode estar nesse momento histórico"

A ação pode se tornar o “superbowl” da Globo, dia da mídia anunciar no intervalo do programa mais assistido do ano, o Super Bowl é o final do futebol americano que apresenta anualmente um grande show, na sua maioria das vezes com grandes celebridades como Madonna, Beyonce, Rihanna e Lady Gaga, entre outras estrelas da música pop.

No Brasil, algo parecido com isso no final do BBB 20 e final do BBB 21, fizeram a Globo lucrar nos intervalos comerciais, gigantes como Netflix e Amazon Prime, avessos, na época a este tipo de publicidade marcaram presença nos intervalos. Em 2018, o final de A Dona do Pedaço, também movimentou os cofres da emissora.

Mas engana-se quem pensa que isso é uma novidade, a Globo como uma grande empresa de mídia faz isso há muitos anos. Em 1988, no dia que Odete Roitman foi assassinada na trama original, a emissora fez algo parecido. "Os maiores investimentos iam para os comerciais de 30 ou 60 segundos e para os anúncios de página inteira, com foco estrito na comunicação de massa e na construção de marca (top-funnel), através de slogans e jingles memoráveis. A ação de oportunidade mais notória foi o anúncio institucional de seguros", explica Roberta Iahn, professora de Cinema e Comunicação e Publicidade da ESPM.

"Veiculado em jornais no dia da morte de Odete, com o slogan 'Faça seguro. A gente nunca sabe o dia de amanhã'. Essa iniciativa do Codiseg (Comitê de Divulgação Institucional do Seguro) utilizou o buzz da ficção para conscientizar o público sobre a relevância do seguro na vida real", o marketing de oportunidade ganhou muito mais força com a chegada das redes sociais nos anos 2010. No interior de São Paulo, a TV Tem já veicula uma chamada institucional em que diz que apenas neste canal é possível acompanhar a morte de Odete Roitman.

"O êxito comercial da novela – evidenciado pela alta demanda por publicidade no capítulo da morte da vilã – é explicado, sobretudo, pela análise das profundas mudanças no cenário publicitário e na aceitação da vilania entre 1988 e 2025", continua Roberta Iahn. "A mudança mais significativa, contudo, é a quebra do tabu que impedia marcas de se associarem a personagens moralmente ambíguos. Em 1988, a publicidade evitava a vilã, associando-se apenas ao fato trágico de sua morte. Em 2025, a associação de marcas como O Boticário e Itaú a Odete reflete uma mudança cultural profunda que permitiu o grande sucesso comercial da novela."


A morte da personagem na noite de Natal, em 1988, foi ao ar após a Globo mexer nos capítulos e garantir uma grande exposição de marca, foram duas semanas de suspense até que a identidade da assassina fosse revelada. Eram outros tempos, embora a audiência da televisão brasileira fosse muito maior, outras mídia convencionais como o jornal impresso ainda passava mais credibilidade a marcas. 

“A resposta parece estar na mistura entre emoção, cultura e identificação. Campanhas que falam de gente real, causas coletivas e histórias com sotaque brasileiro têm conseguido furar o ruído e gerar conversa. Isso é exatamente o que os anunciantes mais querem”, informa o site GloboAds em uma matéria sobre a influência da pública de na vida do brasileiro.

Quer algo mais cultural do que uma telenovela de sucesso? No Brasil, as telenovelas fazem parte da vida cultural, já passou por altos e baixos no quesito relevância, mas segue movimento milhões de pessoas e conversas, que é na sua maioria das vezes o que importa.

Vale Tudo, de Manuela Dias, passa longe da Vale Tudo, de Gilberto Braga, Leonor Besseres e Aguinaldo Silva, mas devemos levar em consideração também a sociedade em que ambas as tramas foram exibidas: a concorrência em 1988 era outra ou quase nenhuma, até meados dos anos 2000, enquanto uma telenovela da Globo dava 60 pontos a segunda colocada não dava nem 10% desta audiência.


Atualmente, nota-se uma audiência e liderança absoluta registrando quase que o dobro de audiência da segunda colocada, como mostra o ranking publicado na rede social X de Rick Souza, do portal TV Pop, a segunda colocada as plataformas de streaming, explica oque foi dito logo mais acima, a presença de gigantes do streamings nos intervalos do principal produto da televisão brasileira:

22h
#ValeTudo 27.00
Soma dos streamings 14.92
Soma dos canais pagos 5.27
#Reis 4.20
#AsFilhasDaSenhoraGarcia 3.30
#RodaViva 0.57
#NewsDas10 0.49
#TVFama 0.42

Se em 1988, não se tinha TV paga e streaming, hoje a concorrência é a democracia digital é ainda maior. A novela atingiu a marca de 61 pontos de média dos seus 188 capítulos, alçando 81 pontos de pico no dia da morte de Odete e 86 pontos de pico no dia que foi revelada a identidade da assassina: Leila (Cássia Kiss).

“Criatividade é o que rege as criações publicitárias. O brasileiro que viveu os anos 80, 90 e 2000 sabe o poder que jingles e bordões de campanhas para marcas”, completa o site da GloboAds. O site, do próprio grupo Globo dá dicas do que engaja no mundo atual: gatilho da memória afetiva, momento certo e autenticidade.

BONS NEGÓCIOS

Se em um passado recente, ao viver vilões em telenovelas artistas não eram chamados para protagonizarem campanhas publicitárias, os tempos mudaram: "O êxito comercial da novela – evidenciado pela alta demanda por publicidade no capítulo da morte da vilã – é explicado, sobretudo, pela análise das profundas mudanças no cenário publicitário e na aceitação da vilania entre 1988 e 2025", continua a professora da ESPM. Além do Itaú, patrocinador da principal faixa de novelas da Globo, a trama recebeu ativações de grandes nomes como Vivo, BYD, Coca-Cola, Corona, Ambev, Uber, Dove, Unilever, Amazon, Paramount, Johnson’s Baby, Electrolux, RAM, O Boticário, Hapvida e L’Oréal.

"Nosso papel como marca é claro: tornar a diversão mais fácil, esteja ela acontecendo na vida real ou nas telas. E foi justamente nesse cruzamento entre realidade e ficção que ativamos uma grande oportunidade: uma oferta de 50% durante o intervalo da novela. Quem via o encontro acontecer na trama, podia comemorar de verdade em casa também”, disse Paola Mello, diretora de Marketing do Zé Delivery", no final de junho quando a empresa fez ações com Solange (Alice Wegmann), Renato (João Vicente de Castro) e Sardinha (Lucas Leto), mas também com César (Cauã Reymond) e Odete Roitman (Debora Bloch"

"O sucesso dessa nova associação deve-se, em grande parte, à interpretação de Débora Bloch. A Odete Roitman de 2025 manteve a essência cínica, elitista e business-oriented, mas foi reconstruída com um toque de humor irônico e um tom menos hiperbólico que a versão original de Beatriz Segall. Essa abordagem a tornou mais carismática e acessível, funcionando como a mulher que "fala o que todos gostariam de dizer" sobre a hipocrisia e o cinismo social. Essa nova Odete se estabeleceu como um ícone pop que valida a associação das marcas", explica. Maisd e 20 marcas já garantiram exposição no intervalo da novela na noite desta segunda (6): OMO, estão iFood, Dove, Itaú, Subway e Serasa. Os valores das negociações dependem de cada caso, mas não saem por menos de R$ 10 milhões, segundo Gabriel Vaquer do site F5.

ENTREVISTA - Roberta Iahn, professora de Cinema e Comunicação e Publicidade da ESPM.


Em 1988, um anúncio de uma seguradora marca a morte de Odete Roitman, nos jornais. Pode fazer um panorama da publicidade em 1988 e 2025, suas principais diferenças.
O remake de Vale Tudo provou que o ditado “falem mal, mas falem de mim” ainda funciona. Embora a adaptação de Manuela Dias tenha gerado críticas dos fãs da versão original (escrita por Gilberto Braga em 1988), ela conquistou uma nova audiência. O sucesso do retorno, em 2025, consolida Odete Roitman como um ícone cultural. Contudo, o êxito comercial da novela – evidenciado pela alta demanda por publicidade no capítulo da morte da vilã – é explicado, sobretudo, pela análise das profundas mudanças no cenário publicitário e na aceitação da vilania entre 1988 e 2025.

A comparação entre os dois períodos revela uma inversão no poder dos canais de mídia. Em 1988, o domínio era da televisão e da mídia impressa (jornais e revistas). As novelas no horário nobre representavam o máximo alcance de massa, com a programação da TV pautando a notícia em todos os outros veículos. Os maiores investimentos iam para os comerciais de 30 ou 60 segundos e para os anúncios de página inteira, com foco estrito na comunicação de massa e na construção de marca (top-funnel), através de slogans e jingles memoráveis. A ação de oportunidade mais notória foi o anúncio institucional de seguros, veiculado em jornais no dia da morte de Odete, com o slogan “Faça seguro. A gente nunca sabe o dia de amanhã”. Essa iniciativa do Codiseg (Comitê de Divulgação Institucional do Seguro) utilizou o buzz da ficção para conscientizar o público sobre a relevância do seguro na vida real.

Em 2025, o cenário é dominado pela mídia digital, líder em investimento e crescimento, com ênfase em TV Conectada e vídeo on demand. Os investimentos migraram para mídia programática, retail media, live commerce, conteúdos curtos e influenciadores digitais. O objetivo da publicidade mudou da massa para a personalização, focando no ROI mensurável e buscando o equilíbrio entre a construção de marca e as vendas diretas (bottom-funnel). A estratégia da Globo de capitalizar no capítulo da morte de Odete é uma oportunidade cross-media: o pico de audiência na TV é potencializado por ações em tempo real nas redes sociais, memes e branded content.


O intervalo da novela, que deve ter o capítulo de maior audiência do ano, pode ser considerada uma antecipação da Black Friday?
O intervalo da novela, embora não se enquadre como uma Black Friday (evento focado em desconto e venda imediata), funciona como um "Mega Evento de Atenção". Marcas investem nesse espaço de prestígio e alcance massivo para garantir visibilidade e relevância cultural.

A mudança mais significativa, contudo, é a quebra do tabu que impedia marcas de se associarem a personagens moralmente ambíguos. Em 1988, a publicidade evitava a vilã, associando-se apenas ao fato trágico de sua morte. Em 2025, a associação de marcas como O Boticário e Itaú a Odete reflete uma mudança cultural profunda que permitiu o grande sucesso comercial da novela.

Antigamente, as marcas não queriam relacionar seus nomes a vilãs/vilões. Hoje, Odete figura na publicidade (como O Boticário e Itaú), o que mudou?

O sucesso dessa nova associação deve-se, em grande parte, à interpretação de Débora Bloch. A Odete Roitman de 2025 manteve a essência cínica, elitista e business-oriented, mas foi reconstruída com um toque de humor irônico e um tom menos hiperbólico que a versão original de Beatriz Segall. Essa abordagem a tornou mais carismática e acessível, funcionando como a mulher que "fala o que todos gostariam de dizer" sobre a hipocrisia e o cinismo social. Essa nova Odete se estabeleceu como um ícone pop que valida a associação das marcas.

O público de hoje compreende a pluralidade de caráter, aceitando personagens que exploram a ambiguidade moral (anti-heróis). Odete, a mulher de poder que rompe padrões de gênero e expressa o cinismo da elite, ressoa com essa audiência. O foco da publicidade não está mais em seu caráter vilanesco, mas no seu status de ícone cultural e na força do seu buzz. Associar-se a Odete é uma forma de as marcas se conectarem com a inteligência e o humor cínico do público. Afinal, gostar de vilões reflete uma sociedade que valoriza a ruptura do maniqueísmo (bem versus mal). Personagens que exploram a ambivalência moral (o anjo caído ou o anti-herói) são mais ressonantes hoje, pois representam melhor a complexidade e as contradições do ser humano real.

O domínio do remake nos debates e a alta comercialização do seu intervalo demonstram que, em 2025, a publicidade abraça a iconografia da vilã como uma forma eficaz de storytelling moderno. Afinal, a cultura pop tem sido dominada por narrativas que colocam vilões e anti-heróis no centro das atenções (basta pensar em exemplos como o Coringa, Malévola ou os spin-offs focados em antagonistas da Marvel/DC). Essa mudança reflete um fascínio crescente do público pela complexidade humana e pela ruptura de normas estabelecidas, uma tendência que as marcas estão atentas e dispostas a acompanhar.

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