Ticker

6/recent/ticker-posts

Header Ads Widget

Em 1989, país parou para saber 'Quem matou Odete Roitmann'


A novela, Vale Tudo (disponível no projeto Novelas Clássicas do Globoplay) chegou ao fim há 22 anos e parou o país. A trama de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, abordava questões como ética e homossexualidade e discutia a questão: "Vale a pena ser honesto no Brasil?". A trama, tinha em seu enredo duas das maiores vilãs de todos os tempos, Maria de Fátima (Glória Pires) e Odete Roitmann (Beatriz Segall) e foi justamente a morte desta segunda vilã, que fez com que o país parasse na frente da TV. A morte da ardilosa e preconceituosa vilã foi ao ar no dia 24 de dezembro de 1988, a poucos capítulos do final da novela que acabaria no dia 6 de janeiro próximo.


A morte de Odete foi anunciada dias antes por diversos jornais da época, todo mundo falava sobre este mistério que durou nove capítulos. Na época, em entrevista à colunista Tetê Nahaz, do jornal O Globo, os autores afirmavam que oito personagens eram os principais suspeitos: "Serão oito os suspeitos e, por eliminação, ninguém chegará ao assassino pois, garantem, os autores, o desfecho será surpreendente." Ainda no jornal O Globo, a morte de Odete poderia ser 'cancelada' se o assassino ou assassina fosse descoberto antes. "Tudo vai depender da imprensa. Os autores estão dispostos a manter suspense até o fim. Assim, ela poderá não morrer também", disse Mauro Mendonça Filho, assistente de direção da novela, um dos poucos que sabiam da identidade da assassina da novela.

LEIA TAMBÉM
Para Glória Pires, Maria de Fátima de 'Vale Tudo', era uma psicopata

Além dele, os autores e os dois diretores Denis Carvalho e Ricardo Waddignton, sabiam quem matou a vilã, segundo reportagem de O Globo. Esse cancelamento causaria um grande trabalho aos diretores e autores, mas o discurso era: "Tudo pode acontecer", disse Leonor Bassères, co-autora da novela. Reportagens da época, investigavam nos bastidores da Globo quem seria a assassina, até mesmo o copeiro de Gilberto Braga foi questionado: "Ele escrevia os capítulos aqui em casa, e eu trabalho na cabeceira dele. Só contei para pessoas muito íntimas, amigos lá de Bangu, que não vão abrir a boca de jeito nenhum", disse Angelo, o copeiro, que se refugiou em Búzios.

A atriz Cristina Prochaska, ao Globo, na época disse que começou a inventar histórias em torno deste mistério e criou um final, até que 'coerente': Odete estaria em casa esperando César quando o apartamento é invadido, o ladrão queria apenas joias e dinheiro, mas Odete começaria a destilar seu preconceito contra ele e o "paizinho subdesenvolvido do Terceiro Mundo" e irritado o bandido lhe mata.

No dia 31 de dezembro de 1988, a morte de Odete era uma das manchetes de capa do Jornal o Globo, "Matador de Odete vira aposta no país", a matéria falava sobre as apostas que o país inteiro estava fazendo em bolões diversos. "Na Bolsa de Valores de São Paulo, o volume de apostas entre os operadores já passa dos CZ$50 milhões. Até os banqueiros do jogo do bicho estão aceitando apostas". A morte foi assuntos das capas dos jornais dos dias 27, 26, 23 e 18 de dezembro. "49% dos brasileiros querem Odete Roitman morte", era a manchete do dia 18 ocupando um bom espaço da capa ao lado de manchetes de política e política internacional, por exemplo.

LEIA TAMBÉM
Há 22 anos, penúltimo capítulo de Vale Tudo marcava 89 pontos

Curiosamente o penúltimo capítulo da novela deu mais audiência que o último capítulo, os últimos capítulos, e este é último em especial, é todo em torno da morte da grande vilã e tinha como gancho o início da revelação de quem matou a dona da TCA. Para o doutor em teledramaturgia, Mauro Alencar, que presta consultoria para a Globo em diversos projetos, a novela "certamente está entre as melhores novelas de todos os tempos. Felizmente a quantidade de boas produções é grande; ainda mais em um país que tornou-se exemplo de qualidade e variedade na produção de telenovela", explica Alencar autor do livro Hollywood Brasileira - Panorama da Telenovela no Brasil, à venda aqui. O suspense rendeu ainda uma promoção da Nestlé que recebeu 3 milhões de inscrições.

LEIA MAIS
Vale Tudo: Concurso 'Quem matou Odete Roitmann?, da Nestlé, recebeu 3 milhões de cartas

Alencar analisa ainda o impacto da morte da personagem, destacando como a união de autor, diretor e interpretação é primordial: "O impacto da morte de Odete Roitman, uma personagem despertava “amor e ódio” ao mesmo tempo. Para ser honesto, creio que na maioria das vezes um amor muitas vezes não assumido; devido à composição perfeita da personagem tanto no texto quando na direção e, em particular, pela grandiosidade verídica trazida por sua intérprete: Beatriz Segall". Segall morreu em 2018 e recebeu uma homenagem de Alencar em um texto publicado aqui em GERALDOPOST

Leia a entrevista com Mauro Alencar abaixo:

GERALDOPOST: 'Vale tudo' pode ser considerada a melhor novela de todos os tempos?
MAURO ALENCAR: Vale Tudo certamente está entre as melhores novelas de todos os tempos. Felizmente a quantidade de boas produções é grande; ainda mais em um país que tornou-se exemplo de qualidade e variedade na produção de telenovela. Então não existe “a melhor” e sim “o grupo das melhores”, com diferentes características e gêneros narrativos.

GERALDOPOST: Quem matou Odete Roitman? Você lembra deste debate na época? Pode nos contar sobre a época em si?
MAURO ALENCAR: Sim, até porque o impacto da morte de Odete Roitman, uma personagem despertava “amor e ódio” ao mesmo tempo. Para ser honesto, creio que na maioria das vezes um amor muitas vezes não assumido; devido à composição perfeita da personagem tanto no texto quando na direção e, em particular, pela grandiosidade verídica trazida por sua intérprete: Beatriz Segall. Sim, a atriz imortalizou a personagem. De qualquer maneira, ainda que o assunto tivesse dominado as conversas por todos os cantos do Brasil, não houve tempo para muito debate porque a novela teve 204 capítulos e a personagem foi assassinada no capítulo 193, exatamente no dia 24 de dezembro de 1988.

LEIA TAMBÉM
Em 1988, família levava TV para réveillon de Copacabana para assistir 'Vale Tudo'

GERALDOPOST: Por que 'Vale Tudo' é atemporal e não envelhece?
MAURO ALENCAR: Considero a novela Vale Tudo a melhor síntese dos contrastes sociais que, lamentavelmente, constituem a formação de nosso país até hoje. Um abismo entre um grupo social e outro; abismo econômico, cultural, social. Sempre que estou diante do Fashion Mall, templo do consumo endinheirado da Zona Sul do Rio de Janeiro, e da Rocinha, lembro-me das diversas situações apontadas pelos autores da novela; Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères. Do ponto de vista estrutural, a novela consegue misturar de maneira brilhantemente exata o folhetim melodramático com os desníveis sociais que assolam a nossa inter-relação pessoal e, consequentemente, a economia e a geografia sociopolítica. Veja bem: durante a abertura política (a produção é de maio de 1988/ janeiro de 1989), o que mais chamou a atenção não só de pensadores, intelectuais, classe artística, mas da população de maneira geral, foi a questão da honestidade do brasileiro. Bem longe da teoria de Rousseau, que pregava que o homem em sua essência era bom, a sociedade que o corrompia, chegava-se cada vez mais à conclusão de que o famoso “jeitinho brasileiro” tinha vencido a guerra contra os valores éticos. O país encontrava-se num mar de lama, escândalos financeiros, trapaças, combates onde prevalecia a regra “olho por olho, dente por dente”, desnível social cada vez mais acentuado. Ao redor do embate central entre mãe, Raquel, honesta (Regina Duarte) e filha, Maria de Fátima, “vale tudo” (Glória Pires), pairava a grande questão da novela: vale a pena ser honesto e decente no Brasil? É claro que até para a nossa sobrevivência emocional, precisamos crer na decência e na ética. Daí personagens como Raquel, Afonso (Cássio Gabus Mendes), Solange (Lídia Brondi) e a afável tia Celina (Nathalia Timberg); ou mais complexos na gangorra do vale tudo, como Ivan (Antonio Fagundes). Há que salientar-se que todo esse quadro provêm de uma desordem afetiva e de não aceitação da condição social da própria família num comparativo com uma realidade externa; o mundo da aparência, do supérfluo, da supervalorização do dinheiro. Não posso deixar de destacar a emblemática matriz da gênese humana que é a ligação entre mãe e filha. Ou seja, de fundamentos míticos e melodramáticos, a novela parte para uma questão pós-moderna, sempre atual, que é o conflito de gerações, a ascensão social inerente ao ser humano. O que acirra a questão é o qual ou quais caminhos escolhemos para alcançar os nosso objetivos. Vale Tudo é o ponto mais alto da investigação social proposta por Gilberto Braga em novelas adaptadas de romances e teatro como Senhora, Escrava Isaura e Dona Xepa; não por um acaso histórias populares que sedimentaram a carreira do autor e promoveram a telenovela brasileira no Brasil e no exterior. Para ser bem exato, as três constituem a origem do que passamos a ver no Brasil de Vale Tudo até os dias de hoje... Acrescido a elas, o fenômeno Dancin’ Days, de 1978,  de um Brasil ainda envolto por uma aura festiva; mas já pontificando para o desequilíbrio das décadas seguintes. Por fim, e fundamental, destaco a requintada direção de Dennis Carvalho e Ricardo Waddington, valorizando em imagem a impactante história criada por Gilberto Braga.

GERALDOPOST: O  que você destaca em 'Vale Tudo' para web-espectador (telespectador do Streaming) prestar atenção?
MAURO ALENCAR: Sinceramente, todos os temas tratados em Vale Tudo ecoam nos tempos de hoje para qualquer espectador, mas com maior intensidade; e com a diferença de que estamos mais alertas em um mundo altamente conectado por meio de inúmeras plataformas de comunicação. Isso traz à tona o mar de lama resultante de um sistema político e social sem ética e descontrolado.

GERALDOPOST: Você pode compartilhar algo sobre 'Vale Tudo' do seu acervo? Que conteúdo da novela você tem?
MAURO ALENCAR: De tudo o que conversamos, e o assunto foi tema para tese (diga-se de passagem participei de banca de doutorado sobre Vale Tudo na PUC do Rio de Janeiro), preciso registrar que em Cuba – palco de divulgação de nossas novelas para a América Latina desde Escrava Isaura (produção da Globo, 1976)-, o governo resolveu legalizar em 1995 uma rede de restaurantes privados que funcionava clandestinamente desde 1993. Esses restaurantes  têm o nome de “Paladar”, assim chamados por conta do nome da empresa de alimentos da personagem Raquel Acioli. Atualmente, em Havana, encontramos diversos “Paladares” com excelentes pescados e arroz criollo! Além desse registro, em meu Acervo tenho a versão romanceada da novela na Alemanha. E eu próprio romanceei a novela em 2008 para a coleção Grandes Novelas.

Para assistir a novela Clique aqui.

Postar um comentário

0 Comentários