Ticker

6/recent/ticker-posts

Header Ads Widget

EXCLUSIVO: "Teria sido interessante mostrar, ao final dos capítulos, fotos de crianças desaparecidas de hoje", diz Gloria Perez sobre campanha em 'Explode Coração'

A novela "Explode Coração", de Gloria Perez, termina nesta sexta (27) no Canal VIVA, e pela primeira vez na história o canal foi cobrado para atualizasse cenas da novela. As cenas são justamente aquelas que fazem da novela a maior referência quando se fala em merchandising social da televisão brasileira, as imagens de crianças desaparecidas. Procurada, a autora disse que a ideia, destas atualizações, sempre existiu: "Minha ideia era que fossem atualizadas em todos os países onde a novela fosse exibida. Aqui no Brasil encontramos mais de 100 crianças com a novela no ar, e outras tantas continuaram sendo encontradas", disse.

No ano passado, quando a novela foi anunciada como a próxima reprise da faixa das 23h30, notícias davam conta de que a autora teria pedido para o VIVA atualizar as fotos das crianças. Em contato com o VIVA, GERALDOPOST apurou que esta informação não era verdadeira, para a autora seria o ideal: "Teria sido interessante mostrar, ao final dos capítulos, fotos de crianças desaparecidas de hoje", comentou a autora de outros sucessos como "De Corpo e Alma" e "Barriga de Aluguel", ambas exibidas na década de 1990.

Nunca reprisada, a novela permaneceu na gaveta por 22 anos. Ao contrário de outras novelas, como "Chocolate com Pimenta", de Walcyr Carrasco, exibida em 2002 e reprisada em 2004. A trama poderia ter ajudado a encontrar mais crianças, se tivesse sido exibida, por exemplo, nos anos 2000. O merchandising social, inserido na trama de forma humanitária. Gloria estava passando pela região central do Rio, quando viu aquilo o que ela chama de "protesto silencioso", um grupo de mães com cartazes em punho em busca de seus filhos desaparecidos.


LEIA TAMBÉM

Rainha das telenovelas brasileiras, segundo a Variety, e do merchandising social nas telenovelas brasileiras Gloria Perez, vide os inúmeros textos acadêmicos que a tem como referência, a autora coleciona sucessos e polêmicas, escreve suas tramas com um pé calcado na imaginação e outro na realidade e pode ser considerada a autora que mais se aproxima das obras de Janete Clair, pelos conflitos familiares e com tramas que faz o público "voar".

MÁQUINA

Chat/bate-papo que Dara e Júlio se conheceram em cena (Reprodução/TV Globo)
"Explode Coração" abordou os primórdios da internet no país, os mais novos, por exemplo, não sabem o que era fazer uma conexão na era de internet discada, a guerra que aflorava na casa dos brasileiros para a utilização da linha: Edu Salgado (Cássio Gabus Mendes), em torno da 'internet pré-histórica' foi o grande protagonista deste enredo original. A trama, através dele abordou diversos aspectos que na década seguinte ficou ainda mais evidência para a grande massa.

O que em 1996, parecia fantasia, na década seguinte o público, passou a compartilhar informações de vida pessoal em uma das mais populares redes sociais que o mundo moderno nos trouxe, o "Orkut", foi por ali por exemplo, que em meio à polêmica do corte do 'beijo gay' em "América" (2005), que a autora desmentiu a Rede Globo sobre a proibição do beijo gravado pelos atores Bruno Gagliasso e Erom Cordeiro. Conectada às inovações da sociedade, a autora já estava há muito mais tempo na internet e foi desta vivência que ela escreveu a novela: "A ideia [de abordar a internet na novela] surgiu dessa convivência online, das novas formas de relacionamento e novos dramas que eu via surgir em função desse avanço da tecnologia".

Em cena Edu (Cassio Gabus Mendes) na frente da máquina (Rerprodução/TV Globo)
A invasão de contas, falsidade ideológica, publicidade online e o compartilhando de vídeos e fotos, este último caso ajudando (na novela e na vida real) a localizar as crianças desaparecidas, foram os temas abordados. Gloria ainda deu 'singelas' aulas de informática na novela, um ação social conjunta com o Telecurso 2000, projeto do Grupo Globo. A família Salgado, vivia criticando o filho por causa da linha ocupada e a fissura que o jovem tinha em ficar dentro do quarto “em frente daquela máquina”. Era o choque de cultura entre o antigo e o moderno sendo abordado em diversos momentos, a família liderada por Salgadinho (Rogério Cardoso) e Lucineide (Regina Maria Dourado), tinha ainda a alucinada Soninha Salgado (Paula Lavigne), protagonizou cenas hilárias.

LOUCURA? (SIC)

LEIA TAMBÉM

Gloria ousou e foi taxada de louca, quando já no primeiro capítulo Dara (Tereza Seiblitz) e Júlio Falcão (Edson Celulari) se conheceram através de um chat, ela no Rio de Janeiro e ele em Tóquio, no Japão. O chat, reproduzido em uma tela de power-point, mostrou uma prática comum no mundo virtual, as salas de bate-papo. Ela, desesperada por ser obrigada a se casar com um homem que não conhecia, e ele, como um bom canalha, se fingindo passar por outra pessoa.

Aliás, os crimes virtuais ficaram ainda mais evidentes com o passar dos capítulos. Edu conheceu, também pela internet Yone (Deborah Evellyn), uma jornalista carente e solteirona que não conseguia arrumar namorado, Edu a enganou por toda a trama, e pediu que outro homem se passasse por ele, além de ter invadido a conta bancário de Júlio Falcão (Edson Celulari) o que o levou para a cadeia. O lado bom e o lado ruim, do uso da tecnologia foram abordados de forma incrível.

Gloria comenta que a novela "Não perdeu a atualidade, não envelheceu", quando questionada sobre a visão que tinha da trama 23 anos depois, mas ressalta que a internet mudou muito e que algumas coisas, hoje, teriam de ser atualizadas e que a trama teria fôlego ainda hoje.

Publicidade de um 'microcomputador' (Reprodução/Veja)
"Explode Coração" pode ser considerada a mãe de "Black Mirror", trama do Netflix que aborda, exclusivamente, o lado sombrio das tecnologias, de um modo mais simples, a novela abordou questões pelo menos 20 anos antes.

TRAMA SOCIAL


LEIA TAMBÉM

"Um aspecto relevante na evolução do merchandising social é o tratamento das questões sociais abordadas, que não se limita a mostrar os problemas: além de enfatizar as alternativas de solução, indicam-se estratégias de ação simples, eficazes e de fácil aplicação pelos telespectadores em seu cotidiano", explica Marcio Luiz Schiavo, no artigo acadêmico "Merchandising Social: As Telenovelas e a Construção da Cidadania", sobre a evolução do merchandising social ao longo da década de 1990:

O problema das crianças desaparecidas – Essa grave questão social foi magistralmente abordada em 'Explode Coração', de Gloria Perez (1996), tendo-se transformado numa grande campanha nacional pelo reencontro dessas crianças com suas famílias. A abordagem foi tão bem conduzida que mereceu uma ampla reportagem de capa na revista TIME (02/06/97), que destacou: 'ao fim da novela, mais de 75 crianças haviam retornado ao convívio de seus pais, como resultado da campanha'. 
O autor explica que um dos pilares para o sucesso da ação nas telenovelas é justamente a contemporaneidade da ação, um exemplo clássico sobre o assunto é a abordagem que a própria autora fez sobre os transgêneros em "A Força do Querer". Gloria explica que já na década de 1980 queria uma minissérie sobre o assunto, assim que leu o livro "João ou Joana", de João W. Nery. "Quando escrevi Sarita eu tinha lido o livro do João W. Nery 'João ou Joana', e tinha me impressionado muito com essa condição. Quis até fazer uma minissérie sobre o assunto".

LEIA TAMBÉM

A Rede Globo, criou em 1995, um departamento exclusivo para abordar questões sociais em suas produções. Em entrevista ao Popmark, Beatriz Azeredo, diretora do setor de Responsabilidade Social da emissora, disse que o setor trabalha com três pilares: Educação (um compromisso central, iniciado há cinco anos), Direitos Humanos (e tudo o que está dentro deste guarda-chuva, de crianças e jovens e idosos a racismo e diversidade religiosa) e Sustentabilidade Ambiental. E foi neste último tema que a emissora teve pela primeira vez em sua história o assunto abordado, foi na novela "O Espigão" (1974), que abordou e popularizou o termo "Meio Ambiente", junto á grande massa.

Até 2014, foram 858 cenas apontando questões sociais nas telenovelas da emissora, em 48 campanhas da própria emissora ou de terceirizados, segundo um relatório divulgado no site da emissora.

reprodução/TV Globo

Em "Explode Coração", a autora aborda em dois importantes assuntos: diversidade de gênero (mesmo em uma época que pouco conhecimento se tinha sobre o assunto e era pouco debatido) e a questão das crianças desaparecidas. Nos primeiros capítulos da novela, Sarita Vitti (Floriano Peixoto) falava sobre a dificuldade em nascer no corpo errado, a personagem foi inspirada no livro de João W. Nery, nacionalmente conhecido como o primeiro caso de homens trans que perdeu todos os direitos (diplomas e documentos, por exemplo) e ao fazer a transição. Posteriormente, a autora voltou a abordar o assunto em "A Força do Querer".

LEIA TAMBÉM

Mas não foram apenas nestas novelas que o transexuais e transgêneros tiveram uma abordagem realista, em "Caminho das Índias" (2009) a autora fez uma passagem sobre a hijras, que na cultura indiana tem o poder de abençoar e amaldiçoar, sendo reconhecida, em 2014, como terceiro gênero. Posteriormente, em "Salve Jorge" (2012), a autora retratou o drama de travestis que enganadas por promessas de mudança de sexo, caíam nas garras do tráfico humanos, o tema central da novela.

Ainda dentro da questão de "Direitos Humanos', a autora abordou a questão do desaparecimento de crianças, na trama o pequeno Gugu (Luiz Claudio Jr.) foi sequestrado e vendido para estrangeiros, mas o garoto fugiu e ficou vagando pela cidade de São Paulo, a autora o colocou justamente sendo transportado para outro Estado, já que a novela se passava no Rio de Janeiro, para abordar também o desaparecimento de crianças no Estado de São Paulo: "Todas as mães se mobilizaram para tornar possível os reencontros que conseguimos fazer. Não tínhamos nenhuma grande estrutura de apoio, mas tivemos a melhor e a mais poderosa estrutura: a garra das mães", contra a autora.

Em resumo, a novela que acaba nesta sexta-feira (27), é um marco na teledramaturgia brasileira, seja na questão social ou na trama original e a autora é categórica: "A única fórmula é contar uma boa história. Com ou sem merchandising social". A autora hoje é uma das diretoras do núcleo de teledramaturgia semanal da Globo, e já está garantida na lista de novelas até 2021 - ano que a emissora já tem definido a ordem de autores de novelas que entrarão no ar.

Confira abaixo a entrevista EXCLUSIVA:

GERALDOPOST: Entrevistei a Isadora Ribeiro e ela disse que em Portugal foram encontradas 26 crianças. Na novela exibida lá, em Portugal, colocaram fotos atualizadas ou foram as mesmas daqui do Brasil?
GLORIA PEREZ: Não sei se foram atualizadas lá, mas minha ideia era que fossem atualizadas em todos os países onde a novela fosse exibida. Aqui no Brasil encontramos mais de 100 crianças com a novela no ar, e outras tantas continuaram sendo encontradas por força da campanha que a novela gerou, com a adesão de empresários e comerciantes, que continuara a divulgar as fotos das crianças.

GERALDOPOST: “Explode Coração” antecipou uma série de questões em torno de tecnologia: touch screen, tablet, TV de tela plana, publicidade na internet, vídeos na internet, os hackers e o namoro virtual. Desde quando usa a internet e como surgiu a ideia de abordagem na novela?
GLORIA PEREZ: Comecei na BBS. Centroin. E a ideia surgiu dessa convivência online, das novas formas de relacionamento e novos dramas que eu via surgir em função desse avanço da tecnologia.

Ivanilda Sasso: Você se surpreendeu com os acertos que fez ao nos apresentar o mundo digital?
GLORIA PEREZ:  Realmente não. Eram muito visíveis para mim já naquela época. O ponto de partida foi o que seria  possível em muito pouco tempo, a partir do que já estava vendo e vivendo naquele universo virtual

Eberson Theodoro: Se a novela fosse escrita hoje, o tema internet ainda teria fôlego?
GLORIA PEREZ: Certamente que sim!

Wesley Vieira: Com a distância de 22 anos que separa essa reprise, observando friamente, o que você acha que não deu certo na novela? O que mudaria?
GLORIA PEREZ:  Não costumo fazer essas revisões não. Acho que contei a história que podia contar. Mudaria muita coisa no visual. Há desacertos ali quanto à interpretação do figurino das mulheres ciganas no cotidiano, por exemplo.

GERALDOPOST: Um artigo acadêmico, sobre imprensa especializada em TV, conta que vice inaugurou a seção “Fale com o autor”, que pela primeira vez foi usado o correio eletrônico (e-mail). Foi sua a ideia?`
GLORIA PEREZ: Não, não foi ideia minha não.

GERALDOPOST: Quando a novela foi anunciada pelo Viva, alguns sites falavam que você tinha pedido ao canal para renovar as imagens das crianças desaparecidas. Aconteceu este diálogo?
GLORIA PEREZ: Não. Eu sempre falei que seria importante renovar a campanha, mas nunca tratei desse assunto com o canal VIVA.

GERALDOPOST: Pela primeira vez na história do Viva, o canal tem sido cobrado em atualizar a novela (fugindo da ideia original do canal), ou seja, o problema de pessoas/crianças desaparecidas continuam. Como enxerga este problema social?
GLORIA PEREZ:  Atualizar as cenas não digo: é um registro de época. Mas teria sido interessante mostrar, ao final dos capítulos, fotos de crianças desaparecidas de hoje.

GERALDOPOST: Em entrevista à Contigo!, na época, você disse que construiu a Sarita Vitti (Floriano Peixoto), totalmente integra para acabar com o preconceito contra gays - na época não se distinguia ainda o homossexual e o transexual -, como se inspirou para este personagem?
GLORIA PEREZ:  Minha inspiração é sempre a vida real, o cotidiano.

Alecsandro Monteiro: Por que a Sarita não virou cigana ?
GLORIA PEREZ:  Bom… ela não era cigana [de alma].

GERALODOPOST: Sarita Vitti não adotou a criança e teve final feliz, sugerido, no ano passado teve beijo trans. Tem autor de novela, diz que a novela não é lugar de merchandising social, existe uma "fórmula" de fazer novela?
GLORIA PEREZ:  Não. A única formula é contar uma boa história. Com ou sem merchandising social.

Adry Eu: No processo de criação da personagem Sarita, além de pesquisar informações sobre gays e travestis, você pesquisou também sobre os transexuais? Seria Sarita a primeira personagem trans de suas novelas?
GLORIA PEREZ: Quando escrevi Sarita eu tinha lido o livro do João Nery “João ou Joana”, e tinha me impressionado muito com essa condição. Quis até fazer uma minissérie sobre o assunto.

Rogério Cardoso e Dara Lorena: Porque no final a Dara não ficou com o cigano Igor?
GLORIA PEREZ: As opiniões ficaram bem divididas mesmo! O cigano Igor tinha uma torcida e tanto.

Marcia de Carvalho: Assiste a reprise da novela? O que acha da novela hoje em dia, 23 anos depois?
GLORIA PEREZ: Não perdeu a atualidade, não envelheceu.

Edilson Ribeiro: O que mudaria no roteiro se escreve hoje?
GLORIA PEREZ: Hoje não estaríamos mais nos primórdios da internet, então teria que atualizar isso.

Mário Henrique Carlassara: Como foi o processo de inserção das mães da Cinelândia dentro da novela? E como se sentiu com os resultados do merchandising social das crianças desaparecidas?
GLORIA PEREZ: Foi uma campanha muito bonita: uma campanha de mães. Uma advogada cedeu o escritório e uma das mães de Acari, a Vera, ficava de plantão atendendo as chamadas. Todas as mães se mobilizaram para tornar possível os reencontros que conseguimos fazer. Não tínhamos nenhuma grande estrutura de apoio, mas tivemos a melhor e a mais poderosa estrutura: a garra das mães.

Michelle Dashi: Por que a personagem Laura sumiu da novela? É verdade que o Igor ficou sem par romântico no final da novela por causa da repercussão negativa do personagem?
GLORIA PEREZ:  Digam o que disserem, o cigano Igor foi um sucesso. Tanto que o público ficou muito dividido quanto ao final romântico de Dara.